Por Carlos Cruz
Além de ter que pagar mensalmente os valores das contas de energia elétrica, que muitas vezes são absurdos, os brasileiros também precisam arcar com os custos de energia de cada produto que consomem, e o preço não é baixo. Um estudo publicado pela Associação dos Grandes Consumidores Industriais de Energia e de Consumidores Livres (Abrace), em junho deste ano, revela os impactos do cenário energético brasileiro e como o peso da energia no bolso do consumidor vai muito além das contas mensais.
O levantamento mostra que o problema do setor energético não é uma situação recente. Segundo a pesquisa, no Brasil, os custos unitários da energia elétrica e do gás natural cresceram muito acima dos preços industriais ou mesmo da inflação. De 2000 a 2022, as despesas com gás natural evoluíram 1.894%, enquanto as despesas com energia elétrica evoluíram 1.084%.
Toda a sociedade é direta ou indiretamente afetada pelos valores da energia. Na cesta básica, segundo o levantamento, a energia compõe cerca de 23% do valor final. A Abrace tem feito diversas campanhas que objetivam dar visibilidade às questões referentes aos custos com energia. O presidente da associação, Paulo Pedrosa, falou sobre os esforços que a instituição tem feito para mostrar os impactos desse problema para a sociedade. “Nós estamos buscando mostrar, por exemplo, que em 1 litro de leite que uma dona de casa compra, quase 40% do que está ali é energia. Que, quando se compra uma cerâmica pra botar no piso da casa, em algumas vezes, 60% do custo de produção daquele material é energia. A gente tenta mostrar que o brasileiro gasta muito mais energia que está escondida no que ele compra, do que a energia da conta de luz”, exemplifica.
Para Pedrosa, o Brasil conta com um excelente potencial energético, mas que parece não ser aproveitado em sua totalidade. Ele explica que a mobilização da associação é para tentar fazer com que as pessoas passem a ter conhecimento da energia competitiva que o país tem, que, se bem usada, pode acelerar o desenvolvimento nacional. “Nós podemos ter uma reindustrialização do Brasil a partir da energia barata, da energia renovável, do gás, do pré-sal. E o esforço é para mostrar para a sociedade que as pessoas estão pagando caro pela energia que está no que elas usam”, afirma.
Alguns fatores têm dificultado o melhor aproveitamento do setor energético do país e contribuído para que os custos permaneçam altos. O presidente reitera que o funcionamento do setor, em que o consumidor paga a conta, é uma das barreiras que impedem a melhor exploração de energia boa no Brasil. Segundo Pedrosa, o sistema foca mais no interesse da cadeia da energia e em interesses políticos em torno dela. “Mais da metade do que os consumidores pagam no Brasil hoje são outras coisas, são taxas, são encargos, são impostos. O setor de energia é marcado por subsídios, reservas de mercado”, explica.
Pedrosa conta ainda que os brasileiros pagam cerca de R$ 2 bilhões por ano para subsidiar a energia do carvão e mais R$ 8 bilhões para subsidiar energia de combustíveis fósseis na Região Amazônica. “Tem muita coisa escondida na conta de energia e muita ineficiência no setor”, considera.
Os valores altos também afetam a indústria brasileira, que, segundo o executivo, perde a competitividade por conta do custo da energia. “A gente tenta pegar a cultura das indústrias que estão em ambientes competitivos. A indústria brasileira compete com a indústria internacional, por mercados lá fora e mercados aqui dentro. O fabricante de cerâmica coloca o produto dele em uma loja de material de construção e tem lá do lado o produto importado. A indústria que está exposta à competição gostaria de ver mais competição na energia”, diz. Ele reitera que o setor industrial está estagnado há mais de 10 anos e, apesar do alto crescimento do consumo no país, essa demanda foi atendida pela importação.
O melhor aproveitamento do potencial energético nacional tende a ser muito lucrativo para a indústria no Brasil. O levantamento da Abrace mostra que, se a energia voltasse a ser competitiva, o PIB brasileiro passaria a crescer 3,8% ao ano. “Acho que em um mundo em que a energia segura, barata e limpa é muito valorizada, tem a questão climática global, tem a questão da segurança energética. Poderia haver um desenvolvimento muito grande industrial no Brasil se a energia tivesse o preço competitivo que ela pode ter”. O estudo também mostra que, em 10 anos, o Brasil poderia gerar cerca de 8 milhões de empregos a mais se tivesse energia competitiva. “Parte importante desse crescimento está na reindustrialização usando a energia competitiva, usando gás do pré-sal, que poderia chegar a preços adequados para a indústria nacional ganhar competitividade”, avalia o presidente.
O cenário de custos altos exige que as indústrias se posicionem da melhor forma e aproveitando o máximo das oportunidades energéticas. Pedrosa explica que, para o setor industrial voltar a ter o potencial competitivo, existem dois movimentos necessários a serem feitos. Primeiro, é necessário melhorar o sistema. “Tentar melhorar a plataforma regulatória, melhorar as leis, os regulamentos que falam sobre energia. E aí está o papel da Abrace e de movimentos como o União pela Energia, que reúne 70 associações da indústria e a frente nacional de consumidores. O caminho é melhorar o país, melhorar as regras, para que a energia seja estruturalmente mais barata. Essa é uma agenda que a Abrace tem conduzido de uma forma muito importante”.
Mas é claro que o papel não é só coletivo, então cada setor da indústria também deve adotar as melhores práticas. “O outro caminho é cada indústria, individualmente, desenvolver inteligência para buscar o seu suplemento de energia mais barato a partir das várias opções que o mercado tem”, completa.
Pedrosa analisa que até as empresas que não são eletrointensivas ou energo-intensivas em energia são afetadas pelo custo alto, que, segundo o presidente, tira o valor e o resultado da empresa e sua capacidade de investimento. “O nosso entendimento é que toda indústria precisa ter atenção à questão da energia e nós precisamos mobilizar a voz da indústria para falar para o mundo da política, para falar para o mundo do poder sobre a importância da energia competitiva, porque, na prática, em muitas situações, a indústria perde o debate sobre energia”, avalia.
O presidente relembra que, no Congresso, muitas vezes passam medidas conhecidas como ‘jabutis’, que são propostas que entram em Projetos de Lei ou como Medida Provisória e encarecem o preço da conta de energia para o consumidor.
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Nas redes sociais, a Abrace tem feito constantes campanhas que visam conscientizar a sociedade acerca dos impactos do custo com energia. Pedrosa afirma que a associação tem causas gerais para a melhoria do setor elétrico e de gás natural, a fim de que eles sejam mais competitivos, mas a agenda da organização enfrenta diversos desafios com as ameaças que surgem. “Nós acabamos de ter um resultado positivo na Aneel na questão da contratação de algumas térmicas, do chamado PCS. Essas térmicas, que a diretoria da Aneel tomou decisões contrárias às térmicas e em favor dos consumidores, o que se avançou até agora, já significa R$ 20 bilhões a menos nas contas de energia”, relembra.
Pedrosa ainda compara o papel da Abrace ao de um goleiro. “Evitar que façam um gol no time do consumidor e, de vez em quando, tentando marcar um gol lá no time adversário para melhorar, evitando tomar gol, evitando perder mais e tentando melhorar ainda o setor. Essa é a agenda da Abrace aqui junto ao Congresso, junto ao Governo Federal e muitas vezes nos estados também, atuando nas leis estaduais, como no caso do gás natural”, conclui.
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