Por Conjuntura Econômica
Principais mudanças e avanços do programa Minha Casa, Minha Vida foram destaque durante entrevista concedida pelo presidente da Comissão de Habitação de Interesse Social (CHIS) da Câmara Brasileira da Indústria da Construção (CBIC), Carlos Henrique Passos, ao Blog Conjuntura Econômica, da Fundação Getúlio Vargas (FGV).
O presidente fez um balanço da evolução dos últimos anos do programa habitacional e destacou a integração entre as esferas de governo a respeito do tema.
Qual seu balanço da evolução do Minha Casa Minha Vida (MCMV) / Casa Verde Amarela nos últimos anos?
A faixa 1, de maior subsídio do MCMV (com 90%), voltada ao segmento onde se registra o maior déficit habitacional, começou a mostrar sinais de esgotamento a partir de 2014, quando voltou o déficit público e a sustentação dessa faixa, mais dependente do orçamento federal, passou a ter problemas. A partir dali, passamos a conviver com um ambiente mais complicado para o setor e para o próprio programa, com a paralisação de obras, empresas que não suportavam atrasos de pagamento e passaram a alongar demais os prazos de entrega, defasar preços, entre outros. As últimas contratações de fato do faixa 1 ocorreram no governo Temer, e parte delas inclusive foram canceladas em 2019. Durante o governo Bolsonaro, convivemos com soluços de perspectivas de se concluírem essas obras, principalmente depois da entrada do ministro Rogerio Marinho, que chegou com muita força dentro do governo, e trouxe recursos que puderam criar expectativa de conclusão desses projetos contratados nos governos Temer e Dilma.
Mas essa iniciativa do ministro também se mostrou insuficiente para se cumprir a promessa de conclusão das obras contratadas (dados do Ministério do Desenvolvimento Regional de 2022 aponta a 72 mil unidades paralisadas em todo o país).
Na outra ponta temos o mercado financiado com recursos do FGTS, incluindo tanto parte onerosa quanto não-onerosa. Essa parte conviveu relativamente bem, mas dentro limite orçamentário do FGTS, que ficou em torno de R$ 60 bilhões ao ano. O próprio fundo de garantia sofreu saques extemporâneos que de certa foram inibiram uma alavancagem orçamentária maior dentro desse programa.
No final setembro de 2020, quando vieram os efeitos da pandemia para o setor da construção, houve uma elevação pesada nos custos de construção dessas unidades, que são financiadas pela Caixa às famílias durante a obra. A partir de setembro de 2020, quando os custos dos materiais de construção subiram muito, criou-se uma inflação no preço dos imóveis, e aí esse programa começou a ter problemas. Inclusive o primeiro semestre de 2022 foi muito ruim. Em julho, o governo elevou os subsídios, reduziu taxa de juros, e aí essa equação melhorou um pouco, e o programa passou a ter melhor desempenho.
Estamos iniciando 2023 dentro desse cenário, ainda com o faixa 1 sem as contratações novas, com muita obra paralisada, mas com alguma melhoria no grupo financiado pelo FGTS. Aguardamos que, com os recursos garantidos pela PEC da Transição, possamos garantir a volta do faixa 1, e também de um olhar melhor ao FGTS como fonte de financiamento nas outras faixas do programa habitacional. Entendo que, para o setor da construção, isso chega em um momento oportuno, pois a faixa dependente de recursos da poupança para financiamento, além de ter suas próprias dificuldades, passou a ter um custo mais elevado a partir da Selic próxima de 14% ao ano.
Quais lições considera que o governo deve considerar ao relançar o MCMV?
Há um legado de mais de uma década de programa do qual há parte boa, e outra com erros. As discussões de aprimoramento passam, em geral, por trazer esses empreendimentos para dentro das áreas urbanas de fato evitando, entre outros, aumentar o custo da infraestrutura para esses investimentos. Temos, na minha opinião, que buscar empreendimentos menores que possam ser inseridos nessa malha urbana, e evitar que os empreendimentos sejam tomados por grupos criminosos. A expectativa é de que o programa possa dialogar com ocupações nos centros urbanos antigos, que têm infraestrutura disponível, passíveis de serem aproveitados em programas de habitação e revitalização desses centros.
Não é uma ideia nova. Alguns estados têm feito isso de forma isolada. Algo positivo que aconteceu no último governo foi a busca de um maior diálogo com estados e municípios para trazê-los como parceiros efetivos para o desenvolvimento de iniciativas habitacionais de interesse social. Essa soma de esforços, além de aproximar quem tem a condução de fato do território, colabora com outro ponto importante, que temos defendido, de garantir um trabalho de acompanhamento social, para que as famílias possam criar valor de pertencimento da moradia, abracem e valorizem o imóvel.
Como se incentiva essa maior integração entre as esferas de governo?
Desde que eu milito na habitação, de uma forma ou de outra existem iniciativas isoladas de estados e municípios. Acho que, mais recentemente, a inflação de custos da construção, com as famílias sem aumento equivalente de renda, e o governo federal com capacidade limitada de aportar mais subsídio, colaborou para a construção de parcerias mais estruturadas. Vemos isso, por exemplo, em São Paulo, Paraná, Goiás, e havia uma pregação do Ministério do Desenvolvimento Regional para motivar outros entes a participar de forma mais organizada dentro do arcabouço normativo que já existe. Além do complemento financeiro que esses entes podem aportar, existe a motivação dos governos para fazer acontecer, colaborando para a celeridade na aprovação de projetos, licenças ambientais, aprovação junto às concessionárias… Sem o envolvimento de estados e municípios, demora-se mais para se chegar lá.
Veja, o que o governo anterior fez não foi um tratamento diferente, mas sim deu vitrine a esses casos de mais sucesso para incentivar outros estados. Se em uma região há um imóvel que custa R$ 150 mil, a família tem capacidade de financiar R$ 100 mil e o governo federal, de subsidiar R$ 30 mil, faltarão R$ 20 mil. O ente federado que pode ajudar gera investimentos dentro do estado, além dos efeitos diretos e indiretos que uma habitação significa para a sociedade. Hoje, o orçamento do FGTS é remanejado de um estado para outro, conforme a demanda. Tomando como exemplo meu estado, a Bahia, o orçamento anual do FGTS para habitação gira em torno de R$ 3,6 bilhões, mas em geral não se consegue alocar mais que R$ 2 bilhões. O restante vai para estados que conseguiram fazer mais do que receberam inicialmente. Goiás é um deles, que tem o programa Cheque Moradia; Paraná criou um programa que garante um subsídio de R$ 15 mil por unidade habitacional. Esperamos que o novo governo continue com essa iniciativa, chamando governos e desenhando prioridades.
Há muito se discute que programas habitacionais de interesse social têm de contar com uma gama de soluções que não passem só pelo financiamento. Quais modelos considera que poderiam ser positivos no caso brasileiro?
Comungo dessa ideia de que o foco seja uma solução de moradia que não apenas a aquisição de uma casa própria. Sabemos que o déficit habitacional de 7 milhões, como se calcula, não significa que todos estão na rua – felizmente – e linhas para melhorias habitacionais, por exemplo, são um complemento importante. Outro exemplo é o do programa de Arrendamento Residencial (PAR), criado no governo Fernando Henrique Cardoso, com características de alocação, cujo imóvel poderia ser adquirido depois de 15 anos de pagamento desse tipo de aluguel. O programa não andou da forma como se pensava, mas há soluções que passam por um modelo assim. Acredito em um programa de alocação social que aproveite essa experiência, criando para as famílias a perspectiva de serem donas do imóvel no futuro, estimulando uma valoração maior. Na verdade, hoje falamos de um paradoxo: entende-se que famílias de baixa renda não estão educadas para atuar de forma coletiva em habitações multifamiliares, mas ao mesmo tempo sabemos o quanto é caro construir uma casa isolada, hipotecada pelo Estado. Daí a importância, também, de se desenvolver uma política social arranjada, que evite a transformação desses conjuntos em um agrupamento de fácil penetração por facções criminosas, por exemplo. Habitação de interesse social tem que caminhar junto de política social, de acompanhamento não só para a seleção das famílias beneficiárias, mas para que estas tenham estímulo para crescer. Na Cbic, tempos feito um levantamento, que pretendemos levar ao governo um levantamento, de famílias beneficiadas pelo MCMV que após dez anos buscam um imóvel melhor, pois conseguiram acumular patrimônio e prosperar.
Em resumo, todas essas soluções mencionadas são necessárias, possíveis e corretas de se aplicar, desde que se analise caso a caso. Por exemplo, não dá para pensar em financiar melhorias em uma habitação fruto de uma ocupação desordenada, onde não chega água e esgoto. É preciso lembrar que, apesar de que o arcabouço de programas de habitação de interesse social passe por todas essas soluções, não há orçamento para se alocar em tudo, por isso é preciso gastar bem. Mas é preciso garantir recursos, pois toda vez que falta dinheiro, mais aumentam as habitações precárias, dificultando a solução no futuro. O histórico do Minha Casa Minha Vida mostra isso: quando houve problema orçamentário para novos projetos, aumentaram os assentamentos desorganizados, com o estado tendo que ir depois implementar infraestrutura, tornando o processo mais caro do que a própria unidade habitacional se tivesse sido feita antes.
Qual conversa já tiveram com o governo sobre o MCMV? O que defenderam?
Tivemos a oportunidade de conversar com a equipe de transição, mas agora é importante dialogar com a equipe de governo. Em primeiro lugar, consideramos importante retomar o mapeamento das obras inacabadas. É consenso que precisamos concluir o que já está aí e virar essa página.
Em segundo lugar, defendemos a necessidade de se ter uma alocação orçamentária adequada para a faixa 1 (que é 90% subsidiada), pois o maior déficit habitacional se concentra aí, onde não se resolve apenas com políticas vinculadas a financiamento, pois foca a camada da população brasileira com mais sérios problemas de renda. Já as faixas vinculadas ao financiamento são um modelo vitorioso, mas têm problemas a serem equacionados. Estamos há algum tempo falando para o governo que uma maior eficácia do programa, do ponto de vista nacional, passa por encarar alguns problemas localizados do ponto de vista regional. Por exemplo, as regiões Norte e Nordeste são as com pior desempenho na aplicação desse programa. Por quê? Primeiramente porque uma política habitacional com base em financiamento obviamente leva em conta a aprovação de um cadastro de crédito. Mas quando pegamos dados comparativos de trabalhadores no Caged, a quantidade de pessoas com renda formal no N/NE é metade da que se observa no Sul/Sudeste.
E temos que avaliar com critério a destinação dos recursos de fundos. Em uma política habitacional dependente do crédito, quando uma instituição só enxerga a capacidade de pagamento a partir da renda formal, essas regiões passam a ter nível de demanda aprovada real muito menor, e daí a baixa eficácia do programa. Como resolver? As discussões levaram à formação de um fundo garantidor, para que essas famílias possam ter crédito aprovado com base em uma garantia colateral para os bancos – no caso, a Caixa. E tem a questão da infraestrutura, pois quanto mais carente uma região, mais importante é a infraestrutura para habitação. Aí entendemos que fundos de desenvolvimento regional deveriam contemplar a execução desse serviço de infra, para beneficiar essa população.
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