Produções artesanais femininas restauram a memória afetiva com a cerâmica

Por Juliana Meneses | Imagens: studio.ode, Ana Luiza Rocha e divulgação

Confeccionada por grupos de mulheres e de modo artesanal, as peças de cerâmica vêm ganhando espaço como artigos de decoração e design. Usando fornos caseiros, as artistas utilizam a cerâmica para criar peças criativas e que auxiliam em uma retomada da memória afetiva pelos produtos cerâmicos.

Se no passado, estes produtos eram muito utilizados em casas, desde pratos, copos e moringas, até os filtros de barro, queridinho por muitos até hoje, por deixar a água sempre fresca, independente do calor que esteja, estes novos trabalhos fazem com que esse carinho pelos produtos seja resgatado, levando para os lares peças que rememoram a casa dos avós e que tenham cores e estilos muito aconchegantes.

A utilização e incentivo dos produtos cerâmicos são ainda mais ecológicos e benéficos ao meio ambiente, uma vez que já se sabe de todos os malefícios do plástico, ter alternativas de outro material é sempre uma saída muito mais válida, além de que os produtos cerâmicos têm uma durabilidade grande e resistência ao tempo.

Hoje, com a tecnologia e o mundo digital, é possível encontrar online diversos perfis incríveis de mulheres que se dedicam à concepção e criação destes produtos cerâmicos. A escola de Cerâmica Artesanal @vidafeitaamao, em Curitiba, conta com uma série de cursos presenciais e online, consultoria para ateliês, aulas gratuitas no Youtube, além da produção de peças, feitas por Cynthia Sarmento. Com cerca de 7 funcionários e mais de 80 alunos permanentes e também cursos esporádicos e workshops, o espaço é um coworking de produção de peças cerâmicas, onde é possível utilizar o forno e materiais para produção de peças próprias. Sua marca conta com uma linha de peças permanente e outras produções livres.

“Eu comecei na cerâmica mudando de área, eu sou designer, sempre trabalhei no marketing dentro de empresas e num momento em que eu precisava me reinventar como pessoa, acabei indo para a cerâmica como hobby e acabei ficando e fazendo disso meu negócio. Nós temos também uma iniciativa de cursos fora do país, então a gente foi em 2018 e 2019 para a Espanha, numa escola que fica na Catalunha. A produção em si, eu tenho uma linha que é minha coleção permanente, que é a coleção .EINS, essa linha é um jogo de jantar personalizável, eu fiquei mais ou menos dois anos e meio desenvolvendo, entre todo meu processo de criação do design das peças e pesquisa de materiais, para chegar no resultado que era o que eu almejava em questão de qualidade, mais qualidade porque a estética para mim já estava muito claro desde o princípio. Eu sempre prezei por uma estética minimalista, muito funcional e ao mesmo tempo muito básica, então, a partir do começo de 2018, eu passei a comercializar a coleção e as pessoas podem adquirir as peças sob encomenda ou pronta entrega, de forma individualizada. Eu tenho um catálogo de peças e as pessoas podem montar o seu jogo de jantar”.

Seu processo de produção é elaborado de modo que valorize a individualidade das peças. “No sentido da produção de peças para comercialização, o que sempre me motivou foi justamente algo com um significado diferente de uma peça industrial. A gente tem na cerâmica artesanal peças que vão com uma história, porque elas vão com a energia que a gente colocou na produção, elas vão ter uma unicidade, cada uma delas é única nos seus detalhes, nos seus pequenos defeitos, então tudo tem um sabor diferente, a gente tem um potencial criativo muito mais vasto que na indústria”.

Cynthia acredita que o processo de produção da cerâmica pode ser terapêutico e importante no sentido de comunidade, auxiliando nas relações interpessoais. “O que me motiva muito na cerâmica é justamente o senso de comunidade que ela me trouxe. Terapia, não só para mim, que foi o que me levou para a cerâmica, um processo terapêutico, mas como eu vejo a transformação das pessoas que estão próximas da gente há alguns anos, como nossos alunos. É uma das coisas que me fortalece – nesse momento que a gente está com o nosso negócio parado por alguns meses -, é o que me fortalece de querer voltar, de querer reabrir a escola presencial e não só ficar com os cursos online, porque seria muito mais cômodo como negócio, mas eu sei o papel que estar em comunidade, que estar produzindo e fazendo um trabalho manual, tem na vida de muitas pessoas”.

@belo_ceramicaartesanal

As peças feitas por Claudia Carvalho Belo, trazem uma série de travessas, pratos e canecas cerâmicas de todas as cores e formatos. Ainda é possível encontrar objetos de decoração com palavras positivas como paz, carinho e alegria para enfeitar. Dentre as peças, estão também travessas assimétricas cheias de estilo. A artesã conta que a cerâmica artesanal foi um divisor de águas em sua vida, tornando-se seu trabalho após uma série de mudanças que lhe ocorreram. Hoje, Claudia trabalha com peças inspiradoras e sente que este é seu real propósito. “Desde a pré-adolescência gostava de “brincar” de fazer algumas peças para uso próprio. Fazia também aulas de piano e me aventurava na pintura em tela, como uma boa pisciana necessitava desses, digamos, escapes do mundo fora da arte. Fui empresária por 28 anos, era proprietária de franquias de lojas de roupas. Gostava muito do que fazia, mas sentia que vivia numa montanha russa da qual não podia parar. Quando já me sentia bastante esgotada e entediada com tudo, vendi as lojas e me separei depois de um casamento de 30 anos. Foi num momento de recomeços que me vi querendo fazer tudo totalmente diferente do que fazia. Um resgate mesmo da minha essência e do que realmente preenchia minha alma. A cerâmica foi vindo e preenchendo essa minha busca do que eu precisava, como um presente de Deus”.

Para Claudia, a cerâmica por ser natural, além de fazer bem ao meio ambiente, nos aproxima do afeto. A cerâmica tem o poder de transmitir sentimentos bons. Diante de uma peça em cerâmica nos sentimos encantados de alguma forma. Por trabalhar com os 4 elementos: terra, fogo, ar e água, a cerâmica tem o poder de nos tocar de uma forma espiritual e é aí q nossa memória afetiva é aguçada. Diante de uma peça, que as vezes nem lembramos dela no passado, de alguma forma ela nos toca. É um resgate de coisas tão primitivas que nos distancia de tudo que possa poluir, no contexto geral da palavra”.

@dbarros_ceramica

Daniela Barros faz as peças à mão, além da criação de peças cerâmicas especiais, ela ainda ensina para outras pessoas sobre sua técnica de modelagem manual, inclusive com cursos online. Em seu perfil no Instagram, além das peças à venda, Daniela também dá dicas sobre a produção e o cuidado que se deve ter com a cerâmica. “Sou arquiteta de formação, mas foi no ateliê de cerâmica que encontrei meu objeto e escala de trabalho. As minhas criações são cerâmicas artesanais utilitárias e decorativas cheias de significado. Minhas peças exploram os contrastes naturais das diferentes argilas, revelando-se delicadas por meio de formas e movimentos leves. Cada coleção tem muito propósito, nascem de sentimentos presentes no meu dia a dia, contando histórias e criando espaço de reflexão para quem as utiliza. Me dedico em todas as fases de projeto e produção das peças, respeitando o tempo de cada processo – desenho, modelagem, esmaltação e queima. Trabalho com técnicas de torno elétrico e modelagem manual e desenvolvo meus próprios vidrados/esmaltes atóxicos, queimando as peças em forno elétrico a 1250 graus Celsius. Também sou professora e busco promover experiências de aprendizado reflexivo em minhas aulas, trabalhando com diferentes técnicas e turmas de adultos e crianças”.

@tmndua

A Tamanduá Cerâmica Artesanal, de Aline Romero, conta com peças decorativas e utilitárias. Em sua oficina artesanal, a artesã também promove aulas sobre cerâmica, fundamentos básicos e jardinagem e cerâmica. “Comecei a marca em 2016 e a ideia sempre foi fazer peças utilitárias e decorativas de forma totalmente artesanal e com estilo mais rústico de acabamento. Na maioria dos objetos a composição é finalizada com uma ilustração autoral envolvendo temas do feminino e natureza”.

@gaya_ceramica_artesanal

As peças feitas por Andréa Lucia Melo da Silva são vivas, coloridas e cheias de detalhes. Seu trabalho tem uma personalidade única, com pinturas de mandalas que deixam as peças mais alegres. “Sou ceramista e tenho meu atelier no Arraial D’Ajuda (BA), Gaya Cerâmica Artesanal. O que me encanta na cerâmica é sua plasticidade. Pegamos a argila bruta e vamos modelando até que se transforme em uma peça bonita e agradável aos olhos através do toque das nossas mãos. É como mágica, é muito gratificante. Trabalho com várias cores de argila e tintas, vitrifico geralmente em queimas de 1000 a 1100 graus. Faço muitos tipos de peças, entre bijuterias, igrejinhas difusoras, vasos, saboneteiras, incensários e utilitários. Amo trabalhar com cerâmica”.

@alinepaz.ceramica

Em seu perfil, Aline Paz mostra suas peças autorais e afetivas, cerâmica artesanal como jornada de autocuidado. Suas obras vão desde objetos de utilidade prática como copos, pratos e coadores de café, até peças de decoração extremamente criativas e originais. “Trabalhar com cerâmica está para além da escolha de um ofício, pois esta atividade se traduziu para mim como um processo transformador, se apresentando como uma nova filosofia de vida. Quando conheci a arte de modelar o barro, percebi que estava diante de uma vocação que me trouxe novas e reveladoras formas de viver a vida: mergulhar nas paisagens e no tempo das coisas, sob um olhar e uma atitude mais contemplativa. A arte de viver o tempo em novas dimensões e de enxergar na sutileza das formas as suas interações com os espaços e os ambientes. Meu processo de criação e execução das peças é uma imersão, um mergulho particular, em cada etapa desse fazer manual. Modelar o barro é inspiração e respiração, esta é a ideia e sentimento que pretendo transmitir através das peças que crio e dos processos que compartilho. Para mim, fazer cerâmica artesanal é dar forma à intuição. A simples arte de materializar sonhos. Me inspiro na natureza, no cotidiano, na simplicidade da vida, na sutileza dos gestos, na arte e até mesmo nas emoções que nos envolvem e nos impulsionam diariamente”.