Por Carlos Cruz | Imagens: Anicer, VideoUp e Casa Cerâmica | Millenium Place por John Phelan (CC BY-SA 3.0)
Presentes na história da humanidade, os materiais cerâmicos são a base da construção civil. Desde as primeiras edificações, feitas a partir da mistura de areia, barro e argila, a cerâmica vem revelando cada vez mais seu potencial e importância para a humanidade. O material utilizado por nossos antepassados ainda se mostra fundamental nos dias atuais, principalmente devido a suas diferentes aplicações e propriedades.
A argila é o principal componente da cerâmica e a diversidade e disponibilidade dessa matéria-prima na superfície da terra permite o desenvolvimento de materiais cerâmicos com diferentes propriedades e inúmeras finalidades. Na composição desses produtos, também podem ser incorporados outros tipos de minerais, que vão variar de acordo com o uso desejado.
As mais diversas características e propriedades dos materiais permitem que eles sejam utilizados em diferentes etapas da construção civil, desde o início da obra até o acabamento. Os produtos apresentam leveza, ótimo isolamento térmico e acústico, resistência a altas temperaturas e boa durabilidade. Além disso, podem assumir diferentes formatos, cores e tamanhos, permitindo diversas composições na estrutura da obra.
Números da cerâmica no país
Atualmente, existem aproximadamente 5.600 cerâmicas e olarias no Brasil. O setor produz cerca de 2.554.202.000 telhas cerâmicas, 5.702.479.000 blocos e 1.526 toneladas de tubos por mês. Isso representa o total de 8.256.681.000 desses produtos produzidos mensalmente no país. E o segmento não para de crescer.
Ao longo dos anos, o setor cerâmico foi se desenvolvendo e se modernizando de acordo com as demandas do sistema construtivo. Além disso, outras áreas da construção, como a engenharia civil e a arquitetura, tiveram contribuições significativas no segmento. De acordo com o e-book “Cerâmica Vermelha. Desempenho, sustentabilidade e produtividade”, que contou com elaboração técnica da engenheira Maria Angelica Covelo Silva, muitas edificações desenvolvidas por construtores, arquitetos e engenheiros renomados no decorrer dos anos foram viabilizadas pelo uso dos produtos cerâmicos que, em muitos casos, tiveram grandes marcos de inovação. A publicação foi desenvolvida pela Anicer e distribuída para os seus associados.
Contribuições para a engenharia
Na engenharia, de acordo com o e-book, a construção de grandes projetos desde a antiguidade foi possibilitada devido à contribuição da cerâmica. A utilização do material, muitas vezes com função estrutural, viabilizou a edificação de muitas cúpulas importantes na história. Dois exemplos marcantes são a Hagia Sophia, em Istambul, na Turquia, e a Catedral de Santa Maria del Fiore, em Florença, na Itália.
A Hagia Sophia, a maior conquista arquitetônica da antiguidade tardia, foi construída entre 532 e 537 com a intenção de ser a catedral de Constantinopla, atual Istambul. O Domo Central da construção está a 55,6 metros do piso, sobre uma arcada, com 40 janelas. As aberturas da cúpula são em forma de arco, ampliadas por semi-cúpulas de diâmetro igual à cúpula central.
Ruth Ferreira da Silva, descreve na apostila “A Arquitetura de Hagia Sophia: uma visita a história
através da aplicação multimídia e a Realidade Aumentada”, que a estrutura inovadora da Basílica de Hagia Sophia “só foi possível pelo uso do tijolo como material primário, à exceção das oito colunas enormes construídas de blocos de pedra”.
A cúpula da Catedral de Florença foi projetada por Filippo Brunelleschi e sua obra foi concluída em 1434. A estrutura tem 45,5 metros de diâmetro e é considerada um desafio da engenharia. Brunelleschi ganhou destaque em diversas publicações por utilizar, de forma inovadora, os componentes cerâmicos dispostos em formato de espinha de peixe, que são destaque até os dias de hoje.
Contribuições para a arquitetura
Os componentes cerâmicos também cumprem o papel de viabilizar e facilitar diversos projetos arquitetônicos devido às suas diferentes características, que se adequam de acordo com as propostas. O arquiteto Constantino Bueno Frollini destaca que a cerâmica é um dos produtos mais flexíveis para atender às necessidades dos arquitetos. “Você consegue moldar ela de tal maneira que ela pode ser desde um bloco, um piso a uma telha. Ela entra em vários sistemas construtivos”, destaca.
De acordo com Constan (como prefere ser chamado), as contribuições dos materiais cerâmicos para a arquitetura se dão principalmente por conta de suas múltiplas propriedades. “Conforto térmico, conforto acústico, segurança contra incêndio, flexibilidade estética e desempenho estrutural também”, pontua.
Além disso, para os projetos arquitetônicos voltados para a sustentabilidade, os componentes cerâmicos são os ideais, cumprindo um papel fundamental para a execução do planejamento. “Ela é uma das melhores opções, porque a cerâmica vermelha é de baixo impacto ambiental e, dependendo do sistema produtivo dessa cerâmica, ela até melhora esse impacto, ou seja, consome a pegada de carbono que outros setores produzem”, explica o arquiteto. Ele também aponta que a cerâmica é um material 100% reciclável e que esse processo ocorre de maneira muito eficiente, em que, mesmo depois da obra, caso um produto quebre, por exemplo, ele pode voltar ao seu processo produtivo para se tornar cerâmica novamente.
Constantino explica que a argila vem evoluindo ao longo do tempo e se moldando às necessidades do homem. “Por ela ter essa característica de ter evoluído junto com a humanidade, junto com as necessidades da construção civil, ela acaba virando indispensável na construção civil, de uma maneira ou de outra, até por questões de custo”, conclui.
Existem vários projetos arquitetônicos muito conhecidos e que ficaram marcados pelo uso dos componentes cerâmicos. A Robie House, uma casa localizada em Chicago e projetada por Frank Lloyd Wright, entre 1908 e 1910, é um bom exemplo. Assim como outros projetos do arquiteto norte-americano, os materiais cerâmicos formam a base da obra, que é considerada um clássico da arquitetura. A edificação é caracterizada por uma série de linhas horizontais e tijolos feitos sob medida, com metade da altura e juntas verticais na mesma cor dos blocos, o que destaca sua horizontalidade. Os tijolos romanos foram utilizados para revestir toda a casa, e vigas de aço só foram utilizadas na sacada em balanço, para proporcionar apoio estrutural.
O Millennium Place é outro exemplo de construção que contou com a contribuição da cerâmica vermelha. O edifício residencial, localizado em Boston, nos EUA, e projetado por Handel Architects LL, combina o material com vidro. Assim, o edifício aproveita as propriedades dos dois materiais para atingir desempenho térmico e iluminação natural, a fim de alcançar a eficiência energética.
Exemplos de usos da cerâmica
A cerâmica pode ser classificada em diferentes tipos: cerâmica vermelha, cerâmica branca, materiais de revestimento, materiais refratários etc. Confira abaixo algumas das utilidades do material na construção civil.
Alvenaria de vedação e alvenaria estrutural
Presentes em mais de 80% das unidades domiciliares do país, a alvenaria é um dos principais tipos de usos dos materiais cerâmicos. O material está presente em cerca de 62,6 milhões das 71 milhões de casas ou apartamentos que existem no país, de acordo com dados da Pesquisa Nacional por Amostras de Domicílio (PNAD – Contínua), do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), de 2018. Essa técnica consiste na sobreposição dos blocos ou tijolos e pode ser classificada em estrutural ou de vedação. Na alvenaria de vedação, os blocos cerâmicos são versáteis, flexíveis e facilitam a passagem de fiação e encanamento. Já na alvenaria estrutural, o uso de vigas e pilares é dispensável. Os blocos cerâmicos estruturais apresentam excelente isolamento térmico e acústico, são resistentes e agilizam o processo de construção.
A popularidade da alvenaria no país deve-se, sobretudo, à confiabilidade dos brasileiros no material e ao baixo custo. A PNAD revela que a técnica é predominante em todas as regiões do país.
Moradias construídas com alvenaria:
Revestimento
As cerâmicas de revestimento estão presentes principalmente na forma de placas e são usadas em azulejos, porcelanatos, pisos, piscinas, lajotas etc. No Brasil, a produção e o uso desses materiais são muito comuns. O país ocupa o 3º lugar no ranking de maiores produtores mundiais, ficando atrás apenas da China e da índia, que ocupam o 1º e 2º lugar respectivamente. O país também é o 2º maior consumidor e 7º maior exportador desse tipo de revestimento do mundo. Os números são da Associação Nacional dos Fabricantes de Cerâmica para Revestimentos, Louças Sanitárias e Congêneres, a Anfacer, que também mostram que, em 2021, o país produziu 1.048 milhões de metros quadrados de revestimentos cerâmicos. No ano anterior, o Brasil exportou para mais de 110 países, totalizando 94 milhões de m², equivalentes a uma receita de US$ 330 milhões. Os principais importadores dos revestimentos cerâmicos brasileiros são países da América do Sul, América Central, América do Norte e Caribe.
O material é muito utilizado por diferentes fatores. Além de serem ótimos isolantes térmicos, evitando que o ambiente esquente ou esfrie muito e estabilizando a temperatura, esse tipo de material é considerado mais higiênico. Alguns podem ter propriedades antibacterianas, são mais fáceis de limpar e não exigem frequentes manutenções. Além disso, são produtos duráveis e podem ser decorados com diferentes formas, cores e texturas.
Os dados da Anfacer mostram que o setor é responsável pela geração de 28 mil empregos diretos no Brasil e 200 mil empregos indiretos. 60 empresas, 71 unidades fabris e 137 marcas atuam no segmento, que movimenta 6% do PIB da indústria de material de construção.
Coberturas
As telhas cerâmicas são os principais componentes das coberturas na construção civil. Elas apresentam alta resistência, contribuem para deixar a temperatura ambiente mais agradável e possuem alta durabilidade, por serem materiais mais impermeáveis, o que é extremamente importante, já que essas peças ficam expostas ao calor, à chuva e ao vento. Os dados da PNAD Contínua 2018 mostram que os materiais predominantes nas coberturas dos domicílios do Brasil são as telhas sem laje de concreto, modalidade em que estão inseridas as coberturas cerâmicas. As telhas podem ser divididas em telhas de encaixe e telhas de capa e canal. O primeiro tipo é formado pelas telhas romana, francesa e termoplan. Elas têm em suas bordas concavidades que permitem que se encaixem umas às outras. Já as telhas de capa e canal são divididas em telha colonial, paulista e a plan. As telhas de canal são côncavas, enquanto as telhas de capa são convexas. As peças canais possuem uma certa elevação na parte inferior, para se apoiarem nas ripas. As capas também apresentam uma curva que permite o perfeito encaixe com as canais. Ambas têm características específicas que facilitam o acoplamento umas às outras e aumentam sua fixação.
Cobogós cerâmicos
Os cobogós também são utilizados para vedação e se assemelham a tijolos vazados, mas suas características são bem mais simples, podendo ser feitos de forma artesanal. Os mais tradicionais são feitos de cerâmica vermelha e se destacam principalmente pela variedade de modelos, cores, formatos e por seu caráter decorativo, que valoriza o ambiente.
Tipicamente brasileiro, o cobogó surgiu no Recife por volta do final da década de 1920. O nome criativo é composto pela junção das três primeiras sílabas dos sobrenomes dos criadores do material, o português Amadei Coimbra (Co), o alemão Ernest Boeckman (bo) e o brasileiro Antônio de Góis (gó). O grupo formado pelos três arquitetos se inspirou nos muxarabi, elementos da arquitetura arábe, trazidos ao Brasil pelos portugueses e usados nas construções coloniais. Os muxarabi consistiam em tramas de madeiras vazadas, instaladas nas sacadas e janelas das casas, com o intuito de permitir que quem estivesse no interior das casas pudesse acompanhar o que acontecia na rua, ao mesmo tempo que, os que estavam do lado de fora não poderiam ver o que se passava dentro das casas, impedindo que as mulheres árabes fossem expostas.
Inicialmente, os Cobogós foram projetados para solucionar os problemas referentes às condições climáticas no interior das casas no Nordeste, vedando as paredes, mas ao mesmo tempo, permitindo a circulação de ar natural e entrada de luz. Em pouco tempo, a ideia se popularizou e, entre as décadas de 1940 e 1950, o elemento passou a ser utilizado no interior das casas, como divisória entre os ambientes. Logo, os Cobogós passaram a chamar atenção de arquitetos e projetistas brasileiros, que passaram a incorporá-los em seus projetos. O arquiteto e urbanista Lúcio Costa foi um dos responsáveis por difundir o material no Brasil. Lúcio foi o criador do Plano Piloto de Brasília e levou os cobogós aos domicílios da Capital do país.
Atualmente, o cobogó é muito utilizado porque, além de valorizar o ambiente, desempenhando um papel decorativo, o elemento também permite uma melhor ventilação e iluminação do local.
Jardins verticais
Algumas peças cerâmicas também podem ser utilizadas na criação de jardins verticais, que se destacam por sua versatilidade, podendo ser feitos de diferentes tamanhos. O uso dos blocos cerâmicos nos jardins verticais se diferencia dos demais por diversos fatores. Além de permitirem o desenvolvimento das espécies de plantas, os jardins apresentam sistemas de irrigação muito eficazes, que geralmente funcionam a partir do gotejamento de água. Em alguns casos, as estruturas não precisam de manutenção, e duram o mesmo tempo que a edificação do jardim.
As paredes verdes também oferecem benefícios à saúde e ao meio ambiente. Os jardins criam uma barreira acústica, auxiliando na redução dos ruídos sonoros, e junto a isso, são uma opção para diminuir a poluição atmosférica e deixam a temperatura do ambiente mais agradável. A instalação das paredes também é uma alternativa sustentável. Os números mostram que espaços verdes em ambientes fechados diminuem até 3° C da temperatura, proporcionando economia no uso de ar condicionado. Além disso, os produtos cerâmicos têm forte pegada sustentável e reduzem significativamente os impactos ambientais. Esses materiais são 100% recicláveis e consomem até 43% menos recursos naturais não renováveis que os produtos de concreto, de acordo com a Avaliação de Ciclo de Vida do Produto Cerâmico (ACV), realizada pela consultoria especializada Quantis, do Canadá.
Em espaços de trabalho, os jardins verticais também revelam sua eficácia ao estimular a criatividade dos funcionários. Profissionais que trabalham em ambientes cercados por plantas são 12% mais produtivos e 12% menos estressados, revelam estudos da Universidade de Washington.
O caráter decorativo desses elementos chama a atenção. Os jardins verticais têm potencial de deixar o ambiente muito mais agradável e elegante, proporcionando uma sensação de conforto. Além disso, essa alternativa é uma opção de recuperar esteticamente os locais, transformando a decoração dos espaços.
Louças
Os materiais cerâmicos de louça mais conhecidos são os azulejos e as louças sanitárias, como vasos e pias. Sua principal matéria-prima é a chamada argila branca, que são praticamente isentas de óxido de ferro, por isso, as louças integram o grupo de cerâmicas brancas.
Essas peças têm como principal característica seu alto grau de impermeabilidade, o que é possível devido ao processo de vitrificação a que são submetidas.
De acordo com a Anfacer, o Brasil está entre as cinco maiores produtoras mundiais de louças para cozinhas e banheiros. O setor, que integra o ramo de produtos minerais não metálicos da Indústria de Transformação, conta com 26 unidades fabris de médio a grande porte, distribuídas em oito estados do país. Atualmente, o segmento produz cerca de 22 milhões de peças e é responsável pela geração de 7 mil empregos diretos. A especialização produtiva do setor é a de fabricação de bacias, caixas-d’água, bidês, lavatórios, colunas, mictórios, tanques de lavar roupas e acessórios e sua matriz energética baseia-se no gás natural.
Laje
As lajes treliçadas com cerâmica são bastante comuns na construção civil e apresentam diversas vantagens em relação a outros tipos de lajes. Além de oferecerem um ótimo custo-benefício, essas peças são altamente resistentes, duráveis, leves e facilitam o uso de tubulações embutidas. Elas permitem a incorporação de instalações hidráulica e elétrica na laje, tornando dispensável o uso dos forros falsos, por exemplo, e proporcionando mais economia.
A resistência das lajes permite a construção de paredes sobre elas, reduzindo o uso das vigas e pilares e consequentemente, diminuindo os custos. Essas peças apresentam tamanho padronizado para obras em casas e apartamentos, mas podem ser aplicadas em diferentes tipos de construção, desde às residenciais até aos edifícios comerciais ou industriais.
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