Hoje é:19 de setembro de 2024

Arquitetura feminina social e transformadora

Projeto segue os Objetivos de Desenvolvimento Sustentáveis da ONU – erradicar a pobreza, promover igualdade de gênero, reduzir as desigualdades e criar cidades e comunidades sustentáveis

Por Juliana Meneses | Imagens: @area.de.servico e divulgação

Mulheres empoderadas e cheias de autonomia para reformar e construir suas próprias casas. Esse é o objetivo do projeto Arquitetura na Periferia, de Minas Gerais. Iniciado em 2013, durante a pesquisa de mestrado da arquiteta Carina Guedes, na Escola de Arquitetura da Universidade Federal de Minas Gerais, o trabalho seguiu com a parceria da Arquitetas Sem Fronteiras – ASF, incentivando mulheres a realizar melhorias em suas próprias casas. A iniciativa cresceu e deu origem ao Instituto de Assessoria a Mulheres e Inovação – IAMÍ, que busca desenvolver projetos de arquitetura focados na equidade de gênero, bem como no combate das desigualdades sociais.

A idealizadora do projeto e arquiteta, Carina Guedes, conta que as mulheres aprendem todas as etapas da obra para desempenhar em suas casas. “Somos uma instituição sem fins lucrativos que oferece assessoria técnica para a melhoria da moradia de mulheres que vivem nas periferias de Belo Horizonte. Formamos pequenos grupos de mulheres anualmente e realizamos encontros semanais, onde cada encontro é uma etapa do planejamento das obras, desde a elaboração do projeto até a mão na massa. Todo esse processo funciona de forma que as mulheres aprendam cada etapa – como medir, desenhar, calcular materiais etc. Ao invés de oferecer um produto, oferecemos conhecimento, por meio de um método de trabalho pautado por trocas e cooperação”.

A arquiteta afirma que por perceber que as mulheres não costumam ser incluídas nas decisões sobre a construção das moradias, viu a relevância de levar para esse grupo o aprendizado necessário para o desempenho das funções ligadas a construção. “A escolha de trabalhar só com mulheres teve como principal motivo o fato delas geralmente não participarem ou serem excluídas das decisões de como suas próprias casas são construídas, algo que gera transtornos cotidianos para elas, que são também as responsáveis pelos serviços domésticos. Contribuiu também os dados de outras experiências, como o Minha Casa Minha Vida, que mostram que as mulheres, quando recebem um benefício, tendem a expandi-lo para mais pessoas, pois se preocupam com a família como um todo. Além disso, pela nossa experiência, percebemos que o trabalho só com mulheres tem promovido a cooperação entre elas de uma forma muito positiva, onde elas se ajudam e se incentivam”.

Em 2019, o projeto realizou seu primeiro Curso de Capacitação em Alvenaria, com 16 mulheres capacitadas, onde a casa de uma das integrantes serviu como exemplo para a aula, auxiliando na reforma e agregando no aprendizado.

A iniciativa recebeu os prêmios The Marielle Franco Community Design Award de 2019, que reconhece projetos realizados em comunidades; Fundação Banco do Brasil de Tecnologia Social de 2019, que certifica e difunde tecnologias sociais de soluções ligadas a habitação; o Prêmio Arquiteto e Urbanista do Ano de 2018, que homenageia profissionais que se destacaram por atividades de arquitetura e urbanismo impulsionando a função social da profissão e o Prêmio IAB-MG de Gentileza Urbana de 2017, que estimula iniciativas que contribuam para melhoria da qualidade de vida urbana.

Carina Guedes conta que dentre as maiores dificuldades ainda estão as relacionadas ao preconceito de gênero, que descredibiliza as mulheres no desempenho das funções ligadas a construção. “Por ser um problema estrutural em nossa sociedade, o machismo acaba gerando diversas dificuldades para o nosso trabalho, desde companheiros que não aceitam que a mulher participe do projeto até dificuldades das próprias mulheres em acreditarem que são capazes. Para além disso, uma grande dificuldade que enfrentamos é a sustentabilidade financeira do projeto, algo que temos conseguido garantir com a nossa plataforma online de apoiadores mensais, em que qualquer pessoa pode se tornar uma apoiadora ou através de parcerias com empresas”.

Para a arquiteta, neste ramo majoritariamente masculino, uma forma de enfrentar o preconceito é incluindo mais mulheres em todas as profissões da área, mostrando que elas são tão capacitadas quanto os homens e podem desempenhar as tarefas com alta qualidade. “Dentro da nossa atuação conseguimos trabalhar essa questão pois toda a nossa equipe é também composta por mulheres, inclusive a nossa mestre de obras. Ou seja, para as participantes, ver uma outra mulher fazendo e ensinando sobre planejamento, projeto e construção civil traz uma nova perspectiva de que o trabalho não depende de gênero. Apesar da presença das mulheres nos canteiros de obras ser ainda pequena, estamos avançando, existem vários coletivos além do nosso que debatem essas questões e acreditamos nesse fomento ao debate, na troca de experiências e de conhecimentos para podermos lidar com as discriminações e transformarmos essa realidade”.

O projeto atua de forma independente, por meio de captação de recursos e consolidação de parcerias, se preocupando em oferecer toda a assessoria técnica necessária para que as mulheres possam reformar suas casas, adequando as necessidades básicas como ventilação, iluminação e umidade apropriada para o bem-estar dos moradores. O Arquitetura na Periferia segue os Objetivos de Desenvolvimento Sustentáveis da ONU – erradicar a pobreza, promover igualdade de gênero, reduzir as desigualdades e criar cidades e comunidades sustentáveis.

Carina acredita que o impacto social do projeto para essas mulheres tem um alcance muito maior em suas vidas, uma vez que faz com que elas percebam o seu potencial. “Pelos relatos das mulheres, podemos perceber que os impactos do projeto vão além da transformação e melhoria das casas, pois elas próprias se veem mudadas também. O aumento da autoestima e da autoconfiança das mulheres é o impacto que nos deixa mais motivadas a seguirmos com o nosso trabalho”.

Formado por um time multidisciplinar que inclui arquiteta, mestre de obras, articuladoras locais, instrutora, engenheira civil e pedagoga, o programa conta ainda com colaboradores das áreas de assistência social, comunicação, relações públicas e psicologia, todas mulheres, focadas em proporcionar moradia digna e de qualidade.

Desde abril de 2020, por conta da pandemia, o projeto iniciou uma rede de solidariedade, com a arrecadação de cestas básicas e kits de higiene para as mulheres que necessitam, nas localidades de Dandara e Barreiro – na região de Belo Horizonte -, e Ravena – distrito do município de Sabará -, todos em Minas Gerais, recebendo doações via PIX.

Além disso, as atividades de assessoria e aulas foram adaptadas para a forma online e foi criado o Workshop Edição Especial #EmCasa, levando conhecimento técnico para mulheres enquanto não é possível aglomerar.

O projeto também aceita doações de materiais de construção e o contato deve ser feito pelos canais oficiais.

Juliana Meneses é jornalista na Anicer.

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