Por Carlos Cruz
Com a chegada da revolução industrial, no século XIX, a queima de combustíveis fósseis pelas indústrias cresceu exponencialmente, situação que ainda acontece nos dias atuais. O resultado dessa queima por dois séculos, todos nós conhecemos: elevação da temperatura do planeta, derretimento das calotas polares, alterações climáticas extremas e desastres naturais dignos de um filme de Hollywood, só que com um final nada feliz.
Atualmente, mais de 75% das florestas primárias não existem mais. Dos 64 milhões de km2 de florestas existentes antes da expansão demográfica e tecnológica dos humanos, restam menos de 15,5 milhões, cerca de 24%. Soma-se ao desmatamento e à queima de carvão para alimentar os fornos, o aumento dos meios de transportes, a impermeabilização do solo para avanço das cidades e outras atividades. Para reverter este quadro catastrófico, cientistas concluem que não há outra forma, se não a descarbonização das economias e sociedades.
Descarbonização
A ideia é reduzir drasticamente a emissão de gás carbônico e demais gases de efeito estufa, preservando oceanos e florestas. Mas então por que tem se falado em descarbonização das economias? Uma coisa está totalmente ligada à outra. Mudar a matriz energética das indústrias afetará todo um ciclo econômico, uma cadeia alimentar que já existe há mais de 200 anos.
“Essa brincadeira vem do fim dos anos 1990, quando há uma queda no preço do petróleo, que a gente chama de antichoque do petróleo”, explica o coordenador do Instituto Virtual Internacional de Mudanças Globais da Coppe/UFRJ, Marcos Freitas.
Ele conta que primeiro houve dois choques na indústria do petróleo com uma drástica subida do preço do barril, o primeiro entre 1973 e 1974 e o segundo entre 1979 e 1980. “O barril pulou de US$ 1 para US$ 6 e depois indo a US$ 40. Então todo mundo teve que buscar soluções, porque a maioria era dependente do petróleo. E as opções eram a eficiência energética, ou seja, produzir a mesma coisa com menos energia, energia renovável, energia nuclear, gás natural e, eventualmente, carvão”.
O antichoque citado pelo professor aconteceu na década de 1990, quando o barril do petróleo volta para a casa dos US$ 15. “Então, depois de todo mundo ter feito 10 a 15 anos de investimentos na matriz energética, o petróleo cai novamente. Aí o pessoal da área de energia, que não era petróleo, começa a procurar outras formas de continuar fazendo a mesma coisa, eficiência energética, energia renovável, nuclear etc. E a gente começa a ver, do outro lado, que o planeta não está mais com falta de petróleo, mas de excesso de carbono na atmosfera, aí já era um problema de lata de lixo. E aí volta uma discussão de substituição de petróleo e de carvão, que vai aumentando à medida que as evidências científicas do aquecimento global provocado pelo homem se materializam, com medições de carbono na atmosfera todo ano que começaram em 1959 no Havaí”, aponta Freitas.
Mas nos últimos anos, o carvão voltou a ter uma força muito grande na matriz energética mundial, principalmente com o crescimento da China, que utiliza muitas termoelétricas a carvão. Apesar dos esforços mundiais para reduzir as emissões de carbono, o coordenador chama a atenção para o fato de, até hoje, não termos conseguido diminuir a entrada de carbono na atmosfera. Freitas lembra que no Protocolo de Kyoto, que passou a valer em 2005, os países signatários se comprometeram a baixar suas emissões ao nível de 1990. Segundo ele, isso aconteceu porque muitos desses países já estavam passando suas matrizes de carvão para gás natural, então aparentemente seria uma redução sem muita dor, envolvendo Europa, Japão e Rússia.
“Quando você pega países que não eram tão dependentes do carvão, essa mudança não era tão trivial, a exemplo dos Estados Unidos. Então você vê que, apesar dos esforços e das divulgações sobre descarbonização, os resultados em relação à atmosfera ainda são muito frágeis, muito pequenos”, lamenta Freitas.
Ele destaca que existe um esforço grande nos últimos anos, principalmente no setor de transportes. “Quando você vai para o setor de transporte, onde a movimentação usa motores muito leves para poder movimentar carros, ônibus, caminhões etc., a substituição do combustível fóssil é muito mais difícil”.
Para o coordenador, o esforço que se faz hoje pelo carro elétrico passa primeiro por levar em consideração qual é a matriz energética de onde está vindo essa energia. “Se for, por exemplo, um carro elétrico na China, não vai fazer muita graça, não é? Porque o básico da matriz energética chinesa é o carvão. Então você vai carregar o seu carro com carvão”.
Ele também faz a mesma comparação com os painéis fotovoltaicos. Muitos dos que chegam ao Brasil, e até em vários lugares do mundo, vêm da China e foram produzidos em indústrias de energia de carvão. Na opinião do especialista, para que eles fossem realmente efetivos, teriam que ser produzidos prioritariamente com energia renovável e outras que não significassem emissão, como é o caso da nuclear.
“O esforço do mundo para a redução do carbono é grande, mas ainda é pífio. É muito mais mídia do que resultado. Na ciência do clima, há muito mais preocupação em se desenvolver o estudo de vulnerabilidade das regiões e populações e ecossistemas em relação a aquecimento e ao tipo de adaptação que a gente tem que fazer do que de mitigação de gases de efeito estufa que, embora as tecnologias estejam bastante dominadas, do ponto de vista do setor energético, o petróleo ainda continuará mandando por muito tempo e o carvão não tem perdido a força”, garante Freitas.
Ceramitec 2022
O tema tem ganhado cada vez mais destaque no Brasil – com menor intensidade – e em todo o mundo. Agora, a discussão chega ao setor cerâmico. A Ceramitec 2022, que acontecerá entre os dias 21 e 24 de junho em Munique, na Alemanha, tem a descarbonização como tema principal deste ano.
A solução, embora pareça simples, não é. Descarbonizar não é somente substituir o combustível fóssil pela energia renovável. Para ser realmente efetivo, o processo precisa prever uma troca gradual de modo a garantir a estabilidade, a resiliência e a eficiência das redes.
Atualmente, a solução que tem se mostrado mais sustentável é a substituição da queima pela eletrificação dos processos. Em outras palavras, saem os fornos e entram os painéis solares ou torres geradoras de energia eólica. E já que isso vai acontecer com a indústria, porque não expandir para a rede doméstica? E não se engane: mesmo que sua casa não utilize forno a lenha, a energia que tem chegado às nossas tomadas nos últimos meses é proveniente de usinas termoelétricas.
Do ponto de vista da cerâmica vermelha, Freitas enxerga uma janela de oportunidades muito grande para os ceramistas. “Eu conheço a turma da Anicer e vi o esforço que eles fizeram nos últimos anos de melhoria de rendimento, nos fornos etc., e imagino que a nível mundial deva ser mais. E essa é uma indústria que pode muito bem se adaptar com o uso de resíduos, que já é o que é feito”, diz o coordenador.
Para ele, existe uma possibilidade muito grande para o setor de cerâmica vermelha colaborar com a redução das emissões de carbono se a indústria se concentrar no uso de resíduos. “Acho que podem, se é que já não têm, usar selos dizendo qual é a origem das energias e podem até no futuro entrar na indústria do hidrogênio”, aposta Freitas. “Com seus fornos e sua tecnologia, poderão transformar parte dos resíduos que chegam a eles em hidrogênio, que pode vir de resíduos plásticos, da biomassa, de várias fontes e, eventualmente, isso crescer dentro da indústria como subproduto muito interessante, já que eles são os caras que trabalham muito bem com essa coisa do calor e podem evoluir na pirólise”, acrescenta.
“Acho que é uma indústria que pode estar na ponta e podem se especializar em uso de resíduos. Você pode ter um espaço grande para a indústria da cerâmica vermelha nessa onda da descarbonização. Mas volto a dizer que o esforço ainda é muito pequeno para o resultado que se espera”, conclui.
Desafios da descarbonização: mudança de paradigma
São muitos os desafios para alcançarmos a sustentabilidade total em nossos processos produtivos. Maiores ainda são os problemas que podem surgir a partir de uma ruptura brusca na forma como esses processos acontecem. Ao se pensar em alterar todo um sistema sólido que vem funcionando a todo vapor nos últimos dois séculos, é preciso planejar todos os passos, identificar possíveis entraves e ter na manga as soluções que se farão necessárias. Um caminho que apresenta desafios técnicos e de infraestrutura, levando em conta que não podemos desestabilizar as redes, causar blecautes ou interrupções de serviço. Tudo tem que se manter funcionando sem danos ao consumidor ou ao meio ambiente.
Neste sentido, flexibilidade vem se tornando a palavra de ordem, que deverá estar contida em todos os próximos passos que daremos rumo à descarbonização. Uma gestão flexível será imprescindivelmente necessária, baseada em sistemas capazes de antecipar e tolerar situações críticas, como por exemplo administrar as diferenças diárias entre demanda e oferta.
Embora muito se fale em usinas eólicas e fotovoltaicas, existe ainda um desalinhamento entre a produção dessa energia limpa e o seu consumo. Antes da adoção dessa nova matriz energética, será preciso fortalecer os sistemas de armazenamento dessa energia e garantir que a substituição ocorra sem interrupções de fornecimento.
“Aí você tem um esforço grande nos últimos 15 anos para entrar na matriz eólica, que tem uma potência muito interessante no mundo todo, e à medida que a eficiência na transformação do meio ambiente está aumentando, você tende a ter potenciais de entrada da energia eólica para substituir petróleo e carvão, e eventualmente a ter um retorno da nuclear, com possibilidade da geração em usinas mais estruturadas e mais seguras”, acrescenta Freitas.
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