Por Carlos Cruz | Fotos: Divulgação Facultad de Arquitectura | Universidad de la República
Nascido em Artigas, no Uruguai, o criador do sistema construtivo Cerâmica Armada, Eladio Dieste (1917-2000), é, ainda hoje, considerado um dos principais nomes da arquitetura latino-americana. O engenheiro e arquiteto, que também criou as abóbadas de dupla curvatura em alvenaria, foi responsável por uma variedade de edificações, que vão desde silos e fábricas até igrejas e mercados, com boa parte dessas obras localizadas em seu país de origem.
A grande essência do trabalho do arquiteto são os tijolos cerâmicos, que foram muito explorados em suas construções. Esse material apresenta características que foram ideais e determinantes para viabilizar a execução de seus projetos, como, por exemplo, a maior velocidade na construção, boa oferta de mão de obra e resistência aos esforços de compressão. Dieste encontrou no tijolo a solução ideal para os vãos que se formavam, a partir de estruturas que dispensavam os apoios centrais, e apoiavam-se apenas nas extremidades, unindo parede, piso e teto.
Além disso, seu trabalho também esteve intrinsecamente ligado à cerâmica armada, muito estudada e utilizada pelo Uruguaio, considerado o pai desse método. A técnica consiste na combinação de tijolo maciço e aço, possibilitando cascas de alvenaria com função estrutural e dispensando o uso do concreto. A adoção da cerâmica armada permite que os projetos sejam feitos de forma mais ousada, viabilizando as curvas com alvenaria e sem a necessidade de pinturas e rebocos, já que o tijolo também assume caráter estético, fazendo com que a edificação fique com aspecto rústico.
O arquiteto uruguaio também tinha preocupações referentes à economia material, com questionamentos acerca do baixo custo de produção e economia de fôrmas. Nesse quesito, a criação de finas cascas cerâmicas também mostravam eficácia, já que elas resultaram na rapidez construtiva, o que possibilitou mais economia na produção de superfícies. Essa técnica foi feita a partir de um projeto que se adequava a diferentes territórios e tipologias.
Dieste também explorou aspectos relativos à materialidade, além de considerar a importância do canteiro de obras para o processo estrutural, principalmente através das experimentações in loco. Esse método, além de fugir das representações bidimensionais, normalmente utilizadas pelos arquitetos, também permite amplas possibilidades estruturais.
A plataforma Eladio Dieste, desenvolvida pelo Serviço de Meios Audiovisuais da Faculdade de Arquitetura, Design e Urbanismo da Universidade da República, no Uruguai, reúne imagens e escritos do arquiteto sobre suas obras e, além de preservar sua memória, faz a divulgação de seu trabalho.
Confira algumas de suas principais obras.
Igreja da Atlântida Cristo Operário e Nossa Senhora de Lourdes
Uma das obras mais reconhecidas de Dieste, a Igreja da Atlântida é também um patrimônio mundial da humanidade, incluída em 2021 na lista feita pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura, a UNESCO. O projeto, iniciado em 1958 e concluído em 1960, fica localizado em Atlântida, um balneário do departamento de Canelones.
O conjunto de paredes e tetos da igreja foi formado como uma concha de dupla curvatura, que mede 16x33m e é apoiada no solo através de uma fundação de estacas “in situ”. O tijolo está presente em todo o edifício, sendo o principal material que formou paredes, pisos e teto. Além do papel estrutural, esse material também proporciona à igreja um caráter estético singular, com características distintas. Segundo Dieste, o uso do material cerâmico junto a argamassas, além de ter proporcionado baixo custo à construção, também viabilizou aspectos que não seriam economicamente possíveis com o uso do concreto armado, como as ondulações nas paredes.
O batistério da igreja fica no subsolo e pode ser acessado pelo corredor e pela escada lateral de dentro da igreja ou através de um acesso independente no exterior. Já o altar é envolto por uma pequena parede que o separa da sacristia e da capela de Nossa Senhora de Lourdes. Em todos esses espaços, o material cerâmico é o protagonista. Ele atua nas telhas do batistério, nas escadas de acesso ao coro e em vasos na jardinagem. O campanário é disposto como uma torre também construída com tijolos armados, que fica separada da igreja.
Esses materiais também desempenham papel de destaque na edificação da cobertura, que tem o formato de uma abóbada gaussiana e é composta por três camadas: a primeira com tijolos de 3 cm de espessura, depois com a sobreposição de tijolos furados e, em seguida, cobertos com uma camada de cimento com 1 cm de areia.
Outra importante característica da igreja é a iluminação natural, muito bem arquitetada por Dieste. A parede que fecha o coro, na fachada principal, dialoga com a luz do exterior ao mesmo tempo que impede que o lado de fora da igreja seja visto. O jogo de luzes também acontece no altar, o local mais iluminado da igreja. Uma claraboia é responsável por ceder ao local uma luz suave, enquanto janelas nas paredes iluminam os fiéis.
Cada detalhe da igreja da Atlântida revela o porquê desta ser uma das mais prestigiadas obras do arquiteto, que também a considerou um marco em sua carreira. “A igreja da Atlântida foi minha Faculdade de Arquitetura. É uma obra que teve consequências importantes. Mudou minha vida”, disse Dieste.
Casa de Eladio Dieste
Em 1961, Dieste projetou sua própria casa para abrigar cerca de 14 pessoas. Toda a sua estrutura foi formada em alvenaria, considerada pelo engenheiro a técnica ideal para uma residência como esta, principalmente devido à sua higroscopicidade e à baixa condutividade. O uruguaio também considerou que utilizar outros materiais para o mesmo fim sairia muito mais caro ou menos durável.
O exterior da casa é de tijolo exposto, enquanto o interior foi pintado de branco, com exceção das abóbadas do teto, que são autoportantes em cerâmicas e também expõem o material. As paredes possuem espessura de 40 a 50 cm, permitindo o uso de persianas em sua espessura, mais grossa que o normal.
Os mezaninos e escadas, com exceção da laje sobre o quarto do rés-do-chão, foram pré-fabricados, as partes planas da cobertura desempenharam a função de vigas horizontais e sobre os tijolos foi colocada uma camada de areia e argamassa portland com malha eletrossoldada. Na areia e na argamassa, foi sobreposta uma camada de isolante térmico e, em seguida, uma proteção de telha. De acordo com Dieste, quando considerado o nível de qualidade da casa, é possível perceber a economia obtida na construção.
“Tenho observado em muitos técnicos uma certa repugnância, a princípio, pelo uso do tijolo, que lhes parece ser um material ligado ao artesanato e aos métodos de trabalho ultrapassados. Muito teria que ser dito sobre isso, atacando em profundidade os problemas sociais e filosóficos que essa atitude supõe. Basta dizer aqui que é muito difícil, por razões estritamente racionais de economia de construção, qualidade de condicionamento obtido e acabamento, fazer uma casa do tipo que nos interessa com um material mais adequado que o tijolo para condições industriais de uma sociedade como a nossa” – escreveu o arquiteto em 1982 para a Revista FORMAS – Cerâmica II, Nº 5, outubro de 1982, pp. 104-109.
Ginásio e Escola Dom Bosco
Localizado em um bairro no centro de Montevidéu, o ginásio da Escola Dom Bosco foi construído entre maio de 1983 e dezembro de 1984. A estrutura do espaço é constituída com 5 abóbadas com dupla curvatura de tijolos vazados, reforçadas com areia e argamassa Portland, cobertas com uma camada de argamassa de 2,5 cm e pintadas de branco para refletir a radiação solar. As abóbadas também têm vão livre de 24,40 metros, sem tensionadores internos, e pilares de 4,85 metros de altura. A área coberta do ginásio mede 954 metros quadrados e os tijolos, com seu exterior reforçado, permitem o prolongamento dos pilares acima da abóbada.
A construção do ginásio demandou a demolição de duas casas antigas, que cederam espaço para a quadra, e a reforma de duas outras casas, que cercavam o local. As residências localizadas nas laterais do local foram integradas ao ginásio e ganhou novas funcionalidades, como escritórios e vestiários, mas também foram revestidas com tijolo que permitiu sua ligação à fachada do espaço.
O interior do ginásio é ideal para os jogos ao mesmo tempo em que as abóbadas, com a textura aparente dos tijolos, compõem o ambiente e o tornam esteticamente agradável. A transversal de cada abóbada é fechada com vidro que permite a entrada de luz natural.
Silo de Young
Localizado na cidade de Young, no departamento de Rio Negro, no Uruguai, o silo foi construído para o armazenamento de grãos, principalmente de trigo a granel, entre novembro de 1976 e junho de 1978. A cobertura do local foi feita com abóbadas de curvas duplas, de 15 metros de altura, todas em tijolos cerâmicos vazados, reforçados com areia e argamassa, cobertas com uma camada de 3 cm de argamassa pintada de branco, no intuito de refletir a radiação solar. As abóbadas apresentam também vão livres, transversais de 28,5 metros e longitudinais de 120 metros.
O silo fica em uma extensa área de produção agrícola e foi projetado para acomodar cerca de 30.000 toneladas de grãos. Seu piso foi planejado como uma tremonha triangular enterrada a um nível de -12,37 metros, com inclinações laterais que seriam suficientes para descarregar o produto por gravidade através de aberturas no túnel inferior, que fica a um nível de -14,10m. Já a cobertura foi projetada para carregar até 9,50 metros de sua altura, com resistência ao empuxo do grão.
Fábrica TEM S.A.
Uma construção da década de 1960, a fábrica de eletrodomésticos, que posteriormente virou o armazém da Unilever S.A., também conta com o uso de cerâmica vermelha em boa parte de sua estrutura. A fábrica foi construída em uma área industrial de Montevidéu, cercada por espaços verdes. As abóbadas de dupla curvatura com clarabóias de tijolo vazado armado formam a cobertura do local, ao mesmo tempo em que se apoiam, a uma altura de 7 metros, em uma estrutura de concreto armado. Mais do que um teto, o conjunto de abóbadas também foi projetado para otimizar as alternativas das diferentes funcionalidades da fábrica, que foi desenvolvida em dois armazéns interligados, com área total de 8.250 metros quadrados.
Os tijolos armados também aparecem nas paredes da fábrica, que abriga janelas em sua parte superior. Além disso, na transversal de cada abóbada, um vidro suportado por elementos metálicos orientados a sudeste viabilizam a entrada da luz natural, que invade o local de forma suave, iluminando o ambiente.
Torre de Telecomunicações (Canal 9 Torre de Telesistemas Uruguaia)
Com 60 metros de altura e 3,50 metros de diâmetro na base, a torre a céu aberto foi construída em 1986 de tijolos de alvenaria armada. Esse material caracteriza e torna visível a construção, que pode ser contemplada de longe e é considerada um “farol de tijolos”.
A edificação está localizada em Maldonado, na orla do balneário de Punta del Este, e tem formato tronco cônico. Para sua construção, foram adotadas técnicas iguais às usadas nas torres das caixas d’água. Como reforço ao material principal, foi acrescentada camadas de areia e argamassa Portland e sua fundação, feita com estacas de cravação, foram preenchidas no local.
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