Hoje é:21 de novembro de 2024

Ieda Vasconcelos, economista da CBIC

Por Carlos Cruz | Fotos: Sérgio Lima/CBIC e Breno Esaki/CBIC

A Revista da Anicer traz uma entrevista exclusiva com Ieda Vasconcelos, destacada economista da construção, que nos contou as principais perspectivas para 2022 e apresentou os números dos últimos anos do setor. Ieda Maria Pereira Vasconcelos é economista, doutoranda em gestão, mestre em administração, pós- graduada em administração financeira e em gestão de negócios. Assessora Econômica do Sinduscon/MG e economista da Câmara Brasileira da Indústria da Construção (CBIC), Ieda é responsável pela elaboração de mais de 30 publicações sobre construção civil. Realiza palestras sobre economia nacional e o desempenho do setor em todo o Brasil.

Revista da Anicer: Como você avalia de modo geral o ano de 2021 para a construção civil, especificamente?

Ieda Vasconcelos: O ano de 2021 para a construção civil foi muito positivo. Aliás, foi o ano mais positivo da última década. Nós vamos registrar agora em 2021, segundo a nossa projeção, um crescimento de 7,6% no PIB do setor em 2021.

RA: E o que esse resultado significa?

IV: Vai ser o nosso melhor resultado desde 2011, quando nós crescemos 8,2%. Depois passamos por um período de grande dificuldade, que foi 2014, 2015 até 2018, e esse ano de 2021 nós vamos registrar esse crescimento de 7,6%, que arredondando vai a 8%, o maior crescimento dos últimos 10 anos. Então foi um ano muito positivo.

RA: A que fatores podemos atribuir o crescimento de 2011 e o de agora?

IV: Em 2009 até 2013, tivemos um momento de forte expansão do crédito imobiliário, expansão do “Minha Casa Minha Vida”. Temos que lembrar que esse programa chegou com força em 2009, e em 2010 foi o ano do nosso maior crescimento, chegamos a crescer 13%, um ano cheio de resultados positivos. A economia brasileira estava crescendo também, apesar da crise mundial. Aliás, a construção civil foi utilizada como grande impulsionador da economia brasileira no momento de crise. O setor se destacou naquele momento.

RA: E agora em 2021?

IV: Se você falasse para o setor da construção civil que nós iríamos crescer 7,6% num período de pandemia, era difícil de acreditar, principalmente quando a pandemia chegou lá em março de 2020. Mas o que nós tivemos durante todo 2020 e 2021? As famílias ressignificaram o valor da moradia. A questão do home office trouxe as famílias para dentro de casa. As famílias verificaram a questão do espaço, era preciso ter um lugar para a esposa trabalhar, um espaço para o marido trabalhar, um espaço para os filhos estudarem. Então, quem já tinha uma disposição de adquirir uma casa própria, aproveitou esse momento de pandemia, porque o mercado imobiliário rapidamente se adaptou às vendas on-line também. E outra coisa, a gente tem que lembrar que lá em 2020 até março de 2021, nós estávamos com taxas de juros baixíssimas, e isso aí influenciou a nossa taxa de juros do financiamento imobiliário. Este ano também o financiamento imobiliário impulsionou muito o segmento imobiliário. Em 2021, essa construção de edifícios sustenta o crescimento da construção civil.

RA: Pode explicar um pouco mais esses motivos?

IV: Se nós desagregarmos o CNAE da construção, que é o Código Nacional de Atividades Econômicas, nós temos que a construção civil é formada por obras de infraestrutura, por serviços especializados da construção, que na verdade é um complemento da construção de edifícios que é o terceiro segmento. Então, se analisarmos dados que são desagregados como o emprego, por exemplo, nós vamos verificar que a construção de edifícios e os serviços especializados para a construção estão impulsionando o crescimento do setor. Os dados do financiamento imobiliário, mesmo com esse aumento da taxa de juros que aconteceu de forma mais forte a partir de agosto e setembro, mostram que estamos com uma taxa menor do que a que tínhamos anteriormente. Então isso tudo ajudou o desempenho do setor em 2021.

RA: Para o próximo ano, qual é a tendência?

IV: Em 2020, quando a gente fala construção civil, a gente está falando dos três segmentos que eu já falei: obras de infraestrutura, serviços especializados para construção e construção de edifícios. Em 2020, mesmo com o desempenho do mercado imobiliário, e quando a gente fala em PIB de construção a gente tem uma parte de segmento informal também, que é, por exemplo, obras por conta própria, reformas, essas coisas todas. No ano de 2020, o PIB da construção chegou a cair em torno de 6%. E, 2021, nós vamos crescer cerca de 8% diante dessa queda que foi o ano de 2020. Para 2022, o nosso cenário básico, considerando um crescimento da economia brasileira na casa de 0,5%, a taxa de juros em torno de 11,5%, a inflação em cerca de 5%, tudo o que está sendo ventilado e os indicadores demonstram nesse momento, a construção civil cresce 2%.

RA: Teremos então um crescimento menor do que tivemos em 2021?

IV: Sim, vai ser um crescimento menor, mas será um crescimento de 2% em cima de um crescimento de 8% que nós estamos projetando para 2021. E esse crescimento de 8% foi em cima de uma base mais deprimida em 2020. Sem sombra de dúvidas, nós teremos fortes desafios para o ano de 2022, é inegável.

RA: Mesmo com o aumento dos juros?

IV: A questão do aumento dos juros prejudica o setor mais pelo impacto que ele causa no nível de atividade econômica do que ele pode vir a causar no aumento da taxa de juros do financiamento imobiliário. Ele pode, sim, proporcionar um aumento na taxa de juros do financiamento como impacto, mas o pior impacto é a redução no nível de atividade econômica que ele proporciona. Ao deprimir a atividade econômica, um juros neste patamar que está acontecendo deprime a geração de emprego como um todo e o desenvolvimento da economia, e por consequência isso aí deprime o mercado imobiliário.

RA: E quais serão os nossos desafios para 2022?

IV: Além de nós termos esse aumento na taxa de juros, termos um cenário que é próprio de ano eleitoral, que é um cenário de incertezas, nós temos também uma contrapartida. Nosso desempenho em 2021 está centrado num ciclo de negócios do mercado imobiliário que nós iniciamos lá em 2020, em função da pandemia, de baixas taxas de juros, de incremento do financiamento imobiliário, nós iniciamos um ciclo de negócios que impulsionou o setor também em 2021 e vai contribuir em 2022. Mas nós precisamos que esse ciclo de negócios continue avançando para que a gente continue crescendo em 2023 e 2024.

RA: Por quê?

IV: O nosso ciclo de negócios agora em 2021 poderia ter sido muito mais forte do que foi esse 7,6%. Esse foi um desempenho muito positivo, mas poderia ter sido muito mais forte.

RA: E por que não foi?

IV: Desde julho de 2020 até o fechamento de 2021, o setor da construção civil enfrenta um ciclo de aumento no preço dos insumos de forma muito exagerada. Nesse período, o INCC Materiais de Construção aumentou 42,25%, ou seja, em 17 meses, o custo com materiais de construção aumentou 42%. Quando a gente pega o custo total, que aí divide em custo com mão de obra e materiais, o custo total da construção nesse período aumentou mais de 21%, causado por esse aumento aí de mais de 42% com o custo de materiais.

RA: E por que esses insumos tiveram um aumento tão significativo?

IV: Nós temos aumentos inacreditáveis. Nesse período, se a gente pega o aço, de julho de 2020 a novembro de 2021, nós tivemos um aumento de 92%. Se a gente pega condutores elétricos, o aumento foi de 72%. Se a gente pega tubos e conexões em PVC, aumento de 69%. Eletrodutos, um aumento superior a 50%. E aí nós vamos em vários outros insumos importantes para o setor que já aumentaram sistematicamente. Se a gente pega só em 2021, de janeiro a novembro, que foi a data do último relatório divulgado, o custo com materiais de construção já aumentou 23,26%. Se a gente pegar esse mesmo período desde 1997 que foi quando o INCC começou a desagregar a parte de materiais e equipamentos, foi a maior alta do período. A outra maior alta foi lá no ano de 2003, 2004, em torno de 16%. Nós estamos na maior alta do custo com materiais de construção da era pós-real.

RA: Mas o que realmente causou esse aumento?

IV: Nós tivemos em relação a alguns principais insumos, nós temos que considerar a desorganização das cadeias produtivas do mundo todo em função da pandemia. Depois nós tivemos uma volta acelerada de algumas atividades e aí houve um incremento no preço de commodities. E por fim nós tivemos também recomposições de preços de algumas cadeias. Então esses três fatores somados levaram ao aumento de vários insumos. Em relação à recomposição de preços, nós temos muitos insumos que a justificativa para o aumento nos preços até então é a de que havia aumento no preço das commodities, mas eles aumentaram mais do que as commodities. E as commodities caíram e eles não caíram na mesma proporção logo em seguida. E aí tem muitos insumos que não têm commodities que também aumentaram, como por exemplo areia e brita. Aí tem também o aumento de preço dos combustíveis, que aumenta o frete e aí vai nessa cadeia como um todo. São várias justificativas para esses aumentos. O fato é que se você me perguntar se a construção civil teve um resultado positivo em 2021, a resposta será sim, mas poderia ter sido muito mais positivo. E qual foi o principal problema da construção em 2021? O aumento de custos com insumos.

RA: Você acha que a crise hídrica também pode ter impactado nesse aumento de preços?

IV: Não nesse impacto, porque quando a gente olha o preço dos insumos que mais aumentaram, não estão relacionados à questão da crise hídrica. É claro que a crise hídrica por impactar a energia, acaba impactando alguns insumos. Mas de uma maneira mais forte, não é a ela que podemos atribuir esse aumento de insumos. Agora, outro dado importante de destacarmos é que esse aumento da construção civil de 7,6%, que apesar de ter acontecido numa base deprimida e apesar de poder ter sido muito maior, ele proporcionou uma geração de empregos muito forte. Só de janeiro a outubro de 2021, nós temos quase 285 mil novas vagas com carteira assinada na construção. E esse resultado é o melhor desde 2011 para o período. Se pegarmos desde 2011 para esse mesmo período, nós não encontraremos um número tão expressivo como esse. Isso mostra a força da construção civil para gerar emprego, e também como que ela tem o potencial de alavancar as atividades do país. E se a gente pega essas 284 mil novas vagas, o que a gente observa é que construção de edifícios e serviços especializados pra construção foram os dois maiores geradores de vagas para esse setor.

RA: Podemos continuar tendo problemas em 2022 pelo aumento dos insumos? E, se sim, como poderíamos evitar isso?

IV: Em primeiro lugar, pra 2022 nós aguardamos sim um aumento de custos do setor. Mas ao contrário do que aconteceu em 2020 e em 2021, onde o custo foi puxado pelo forte incremento no preço dos insumos, pra 2022 nós acreditamos que o aumento será puxado pelo custo com a mão de obra em função do patamar da inflação fechado em 2021. Nós tivemos dois anos, que foram 2020 e 2021, de forte elevação nos custos em função de materiais de construção. Para 2022, vários fatores que eram justificativas de aumentos para os insumos, como por exemplo as commodities, que não estão aí na linha para 2022, nenhuma expectativa de aumento tão forte. Não acreditamos numa continuidade de aumento no preço dos insumos tão forte como a que aconteceu em 2020, 2021. Por outro lado, teremos um aumento forte da mão de obra, que não aconteceu nos últimos três anos. Porque a inflação vai fechar agora em torno de 10% e as negociações de mão de obra sempre se baseiam na inflação.

RA: Esses números todos são da sua pesquisa?

IV: Sim, o estudo de desempenho. Ele foi divulgado no dia 16 de dezembro.

Clique aqui para acessar o estudo completo.

Carlos Cruz é jornalista na Anicer.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *