Por Carlos Cruz
Uma das áreas que mais geram riqueza e postos de trabalho no país, o setor de construção civil possui uma grande importância para a economia nacional. Não à toa, foi um dos poucos que manteve o crescimento durante a crise sanitária que se arrastou pelos últimos dois anos. Contudo, é também um dos setores que mais geram resíduos para o meio ambiente.
Apesar de grande parte desses resíduos ainda não receberem a destinação correta, em concordância com a Política Nacional de Resíduos Sólidos, algumas iniciativas vêm ganhando grande destaque no setor, como é o caso das indústrias de Cerâmica Vermelha que utilizam resíduos da construção civil em alguns de seus processos.
Para que possam ser reaproveitados, os resíduos sólidos da construção civil passam por um processo de trituração, condição imprescindível para uma destinação adequada aos novos “materiais”.
O próximo passo é a classificação de acordo com o tamanho da fração: areia, brita, pedrisco, bica corrida, entre outros. Somente a partir daí é que esse novo material poderá ser comercializado como matéria-prima secundária.
O uso de resíduos na indústria de Cerâmica Vermelha
A Cerâmica Vermelha tem hoje no Brasil um contingente de aproximadamente 6 mil empresas e muitas delas consomem resíduos sólidos provenientes de diversas fontes localizadas em sua região, inclusive os próprios resíduos, como quebras de telhas, blocos e tijolos. Depois de moídos, esse material é reinserido na mistura que vai dar origem a novos produtos cerâmicos.
Muitas utilizam resíduos de outras indústrias para alimentar seus fornos, como casca de castanha de caju, pó de serragem ou madeira de demolição. Mas com a substituição dos antigos fornos por modelos elétricos e com plantações de madeira específicas para essa finalidade, vamos aqui focar nossa atenção ao uso de resíduos da construção civil na composição da massa.
“Somos autossuficientes há mais de 8 anos, temos um reflorestamento próprio de eucaliptos para abastecer nossos fornos e secadores; e na esmaltação de nossas telhas utilizamos gás natural, uma energia limpa e que agrega muito valor ao produto final”, explica Paulo Kássel, diretor industrial da Cerâmica São José.
Localizada no município de Campos dos Goytacazes, a empresa utiliza resíduos provenientes da laminação de granitos. A mistura chega a 15% do total e a empresa chega a comprar 70 toneladas do material por mês.
“Financeiramente não temos uma economia mensal, pois o que deixamos de utilizar de argila é diluído com o custo que temos com a logística de transporte, por isso enxergamos como um investimento que fazemos para a manutenção do padrão de qualidade dos nossos produtos, pois já comprovamos um ganho significativo no que diz respeito à resistência mecânica e absorção de água dos produtos cerâmicos incorporados com o resíduo de granito”, avalia o diretor da São José.
Já a Cerâmica Minas Brasil, localizada em Igaratinga (MG), utiliza outro tipo de material na composição de sua massa. De acordo com o gerente administrativo, Edmar dos Santos Rodrigues, 8% da massa é formada de pó de balão. Ao todo, a empresa compra 500 toneladas do material por mês.
“O que se fala por aqui é que diminui em de 20% no consumo de eucalipto”, estima o gerente.
A Cerâmica Tavares utiliza em seu processo de fabricação de blocos resíduos sólidos resultantes da serragem e depois polimento de blocos de rochas graníticas, pegmatíticas, gnaisses, xistos e quartzitos que são lavradas em Parelhas (RN) e em municípios vizinhos.
Esses resíduos têm uma composição mais silicosa, parecida com a composição da argila mais grossa. Sendo assim, a empresa os trata como se fossem mais um tipo de argila.
“A gente utiliza a serragem como combustível para os fornos. Os resíduos da construção civil, a gente utiliza um picador florestal que faz a picagem móvel e utiliza a serragem e resíduos como biomassa para a queima dos fornos. A questão das rochas, a gente fez algumas experiências para utilizar até 2% de resíduos da operação de rochas ornamentais, mas no momento a gente não está utilizando porque as empresas não estão fornecendo, a gente fez só os testes”, conta Marcelo Tavares, responsável pela empresa.
Os resíduos não são comprados. A empresa recebe sem custos de obras da construção civil, limpeza de loteamento, podas urbanas, pallets e demais embalagens de madeira e processa. O percentual de utilização da serragem na unidade ECO é 100% e de 30% nas demais. De acordo com Tavares, o que levou a empresa a acrescentar resíduos na massa foi a escassez e a dificuldade de lenha.
Segundo o especialista em mineração e colunista da Revista da Anicer, Otacilo Oziel, ao se trabalhar com matérias-primas, é interessante que ela tenha um custo mais baixo. “Onde você tem esse pó de resíduos, vai ter aquela empresa que produz o resíduo doida para se livrar dele e, inclusive, com os problemas ambientais junto às normas ambientais do estado. Então, ela precisa se desfazer ou precisa reduzir essa quantidade de resíduos”, destaca Oziel.
“E do outro lado tem a cerâmica, que, de repente, pode ser que possa passar a usar esse resíduo e é claro que aquilo vai ser um benefício para empresa que ela vai pagar”, acrescenta.
O especialista lembra ainda que, muitas vezes, as empresas conseguem esse resíduo sem custo algum, como é o caso da Cerâmica Tavares. De acordo com Oziel, temos hoje no Brasil uma quantidade enorme de resíduos sólidos, que vêm de empresas de mineração, empresas que produzem ferros, que extraem e processam bauxita, que produzem rochas ornamentais etc. No caso da indústria cerâmica, o uso desses resíduos pode ser tanto os sólidos, com a finalidade de incorporar à matéria-prima, ou outros tipos de resíduos, como madeira de demolição.
“Existe no Brasil uma quantidade enorme de empresas com resíduos e a tendência para o futuro são aquelas empresas chamadas ‘empresas de fim de tubo’. Então você não vai ter empresas nem de água, nem de sólidos e nem de gases. Para o futuro, essas empresas serão as que irão sobreviver”, conclui Oziel.
Compromisso sustentável
Além de utilizar combustíveis que emitem menos gases-estufa e que não desmatam, não é de hoje que a indústria cerâmica passou a absorver e eliminar resíduos de outros segmentos, atuando como indústria limpadora do meio ambiente.
A redução das emissões de gases-estufa alcançada pela adoção dessas biomassas alternativas tem permitido às empresas gerar e negociar créditos de carbono no mercado internacional por meio de diferentes operações, como o mecanismo de desenvolvimento Limpo (MDL). Os recursos obtidos nestas transações possibilitam que as empresas financiem a conversão de seus equipamentos para se tornarem cada vez mais sustentáveis. Este ciclo virtuoso, que tem se repetido em um número cada vez maior de indústrias, vem ganhando escala no segmento cerâmico e está transformando o setor em um importante aliado contra o aquecimento global.
Diferentemente das indústrias químicas, metalúrgicas, energéticas, cimenteiras e automotivas, o papel das chaminés nas indústrias de cerâmica vermelha está se tornando outro, contribuindo na redução das emissões de gases.
Se estes milhares de toneladas de biomassas não fossem consumidos pelos fornos, iriam para aterros sanitários e liberariam enormes quantidades de metano durante sua decomposição. E o metano é um gás que tem potencial de aquecimento atmosférico vinte vezes superior ao do dióxido de carbono (CO2).
A recuperação das áreas de extração de argila também é tratada pelo setor cerâmico com atenção, em cumprimento às obrigações estipuladas pelo artigo 225, inciso 2º, da Constituição Brasileira. Apesar de ser a segunda maior atividade mineradora do Brasil, ela é muito difusa e de baixo impacto. Os projetos de recuperação, geralmente, dedicam essas áreas às atividades de piscicultura, fruticultura, ecoturismo, pastagens ou florestas plantadas com vegetação nativa ou exótica.
Outro fato importante é que os resíduos de cerâmica vermelha não são nocivos ao meio ambiente e são classificados pelo Conselho Nacional de Meio Ambiente (Conama) como classe “A”, como reaproveitáveis e totalmente recicláveis, sem danos ao meio ambiente.
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