Hoje é:23 de novembro de 2024

Otimização de processos e custo

APL de cerâmica vermelha de Morro da Fumaça se destaca por suas conquistas

Por Carlos Cruz | Imagens: Anicer e divulgação Sindicer

Uma simples iniciativa pode ser capaz de causar impactos positivos diretos no meio ambiente e se tornar um exemplo em âmbito global. Esse é o caso do Arranjo Produtivo Local (APL) de Cerâmica Vermelha de Morro da Fumaça, criado em 2012, a partir de articulações do então presidente do Sindicato da Indústria Cerâmica de Morro da Fumaça/SC, Sergio Pagnan. A iniciativa, que abrange os municípios da região sul de Santa Catarina, ficou em 2º lugar no prêmio de Melhores Práticas em Arranjos Produtivos Locais de Base Mineral 2022, promovido pelo Comitê Temático Rede Brasileira de Arranjos Produtivos Locais de Base Mineral (CT RedeAPLmineral). O projeto apresentado foi o “Mineração Circular: potencialização da cinza da casca de arroz como fonte alternativa mineral na produção de cerâmica vermelha”.

O reuso das cinzas da casca de arroz

O estudo sobre a introdução das cinzas da casca de arroz na produção cerâmica vem sendo feito há alguns anos. A região Sul do país é responsável por mais de 70% de toda a produção de arroz em território nacional e as boas práticas têm otimizado esse processo. O diretor executivo do Sindicer Morro da Fumaça/SC, Alexandre Zaccaron, conta que na região sul de Santa Catarina, por exemplo, existe uma cerealista que faz o beneficiamento do arroz e, há alguns anos, precisou lidar com algumas questões, e a casca de arroz, antes sem muita utilidade, passou a ser reaproveitada. “Eles resolveram queimar a casca do arroz para gerar energia. Então hoje eles produzem toda a energia deles ali e aí já vão ampliar para vender energia”, contou Zaccaron.

No entanto, a iniciativa resultou em outra problemática, já que, com a utilização das cascas, outro resíduo é gerado: as cinzas. Foi então que surgiu a possibilidade de introduzir esses sedimentos na produção cerâmica da região, onde a maior parte das argilas encontradas são consideradas muito ‘plásticas’, o que, segundo Zaccaron, exige uma mistura com outros tipos de argilas, principalmente arenosas. “Então começou a ter esse problema, necessidade de achar argilas arenosas. E a casca do arroz, nós visualizamos que ela tem potencialidade de substituir as argilas arenosas, porque ela é um material rico em sílica e um pouco mais grosseiro. Então fizemos um estudo, uma escala laboratorial, achamos um teor ideal e buscamos um parceiro. Hoje eles utilizam em torno de 15% em volume dessa cinza e utilizam na produção de blocos cerâmicos”, afirmou.

Benefícios

Um dos pontos mais positivos e interessantes da utilização das cinzas na produção dos materiais cerâmicos é o fato de as vantagens atingirem as mais diversas etapas, desde a produção a logística e distribuição. Confira alguns dos benefícios do projeto listados pelo diretor do Sindicer.

Menos argila: a introdução das cinzas diminui a quantidade de argila, o que contribui para reduzir os custos de produção;

Redução de gastos: as cinzas utilizadas na produção, antes, teriam que ser encaminhadas pelo cerealista a um aterro industrial, o que não é mais necessário e gera economia tanto para o cerealista, quanto para o produtor, que consome gratuitamente o resíduo;

Eficiência energética: a argila considerada mais plástica também é mais pesada. Por isso, com a introdução dos resíduos da casca do arroz, a matéria-prima fica mais porosa e, consequentemente, mais leve para extrusar.  Com a argila mais leve, o consumo de energia também é reduzido, enquanto a produtividade aumenta. “Ou seja, tu vais conseguir produzir muito mais em menos tempo”, afirma Zaccaron.

Facilidade na secagem: quando chega o inverno, muitas vezes, o clima da região Sul dificulta o processo de seca dos produtos. Mas com argilas mais porosas, os produtos secam mais rapidamente;

Logística: o diretor do Sindicer explica que até mesmo a distribuição dos materiais é afetada positivamente, já que, com peças mais leves, o desgaste do caminhão e consumo de combustível diminui.

Apesar das diversas mudanças, Zaccaron garante que as características técnicas dos produtos permanecem as mesmas.

Premiações

Michel Marques Godoy (CPRM), Cristina Ferreira Correia Silva (MCTI),
Vitor de Souza Nandi, Alexandre Zaccaron e Elzivir Azevedo Guerra (MCTI)

A APL de Cerâmica Vermelha de Morro da Fumaça tem colecionado importantes conquistas. No final do ano passado, o projeto “Valorização de Resíduos para obtenção de novos recursos minerais de interesse tecnológico para APL Cerâmica Vermelha de Morro da Fumaça” foi contemplado pelo edital CNPq/CT- Mineral nº 28/2022, com o valor de R$ 500 mil. “Esse valor vem para nós em forma de bolsa de mestrado e também como forma de aplicação. Esse valor também cobre os custos de análises de material, de argila, às vezes para ir a um evento, alguma coisa nesse sentido”, explica Zaccaron.

Como citado no início desta reportagem, a APL foi convidada para participar do Prêmio de Melhores Práticas em Arranjos Produtivos Locais de Base Mineral 2022, com o projeto das cinzas da casca de arroz na produção cerâmica. O estudo foi tema do Trabalho de Conclusão de Curso da aluna de Engenharia de Produção da UNESC, Grasiele Amoriso Benedet, inscrito no prêmio e apresentado no evento. “Fomos finalistas, a gente ficou entre as três melhores práticas do país e nós ficamos em 2º colocado. Mas nosso trabalho foi muito elogiado, não só na região, mas pelos participantes, pelos desenvolvedores do trabalho”, contou Zaccaron.

E não para por aí. A repercussão do projeto foi global e a equipe da APL também marcou presença na COP 27, em um painel sobre a diminuição de Gases de Efeito Estufa. “A casca do arroz, se é depositada no local errado, ela gera gás metano e o gás metano é Gás de Efeito Estufa”, afirmou o diretor do Sindicer.

Desafios

Os bons resultados geram a admiração de todos, mas nem sempre foi assim, até porque as novidades também podem assustar. Zaccaron relembra que, no início, não foi fácil encontrar uma empresa que abraçasse a ideia. “Quando tu chegas assim ‘ah, eu tenho um resíduo para colocar’, aí o pessoal já fica com o pé atrás. O primeiro desafio foi achar uma pessoa”, contou.

O diretor observou que, no geral, o segmento não é tão aberto a algumas questões como deveria ser. “O nosso setor tem muita possibilidade para introdução de outros materiais, para ganhos ambientais, diminuição do consumo de argila. Tu vais estar consumindo menos matéria-prima nobre bruta, tu vais estar aplicando um subproduto que, às vezes, pode  te dar ganhos bem consideráveis dentro do teu processo. A gente já vem fazendo pesquisa da utilização de resíduos há mais de dez anos. Termina uma pesquisa, tu engavetas, porque tem um pouco de resistência do setor para utilizar”, analisa.

Com a visibilidade do projeto, a esperança é que outras localidades e organizações estejam atentos às múltiplas possibilidades que podem ser exploradas. “Outras regiões utilizam isso em resíduos agrícolas, têm outras culturas que trabalham que podem ser utilizadas, às vezes uma outra mineração. Vamos dar um exemplo, a mineração de ferro gera um resíduo do processo de beneficiamento. Dá para você estudar e avaliar os teores ideais para colocar no produto cerâmico, no bloco, no tijolo ou na telha, enfim. Tem teores adequados que vão ter alguns ganhos dentro do processo”, observa.

APL

O termo Arranjos Produtivos Locais se refere ao aglomerado de empreendimentos localizados na mesma região e com a mesma especialização produtiva. A APL de Cerâmica Vermelha de Morro da Fumaça abrange os municípios da região sul do Estado de Santa Catarina e compreende órgão como o Sindicer Morro da Fumaça/SC, a Cooperativa de Exploração Mineral (COOPEMI) e o Laboratório Técnico da Cerâmica Vermelha (LabCer), além de outras instituições, universidades e institutos de pesquisa.

Carlos Cruz é jornalista na Anicer.

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