Por Carlos Cruz
A luta por cidades mais densas e com moradias acessíveis tem ultrapassado as barreiras geográficas e conscientizado diversas pessoas, principalmente jovens, em diferentes lugares do mundo. A escassez de residências localizadas em centros estratégicos, onde há oferta de emprego, lazer e cultura, não é apenas um problema local, de um bairro ou cidade específica, mas algo que afeta diversas regiões ao redor do mundo. O município de São Francisco, na Califórnia, por exemplo, ficou conhecido por estar entre as cidades com aluguéis mais caros dos Estados Unidos. Na região, o aumento da oferta de empregos é desproporcional à quantidade de residências.
Foi a partir dessa demanda que nasceu o movimento YIMBY, sigla de Yes in my backyard (‘Sim em meu quintal’, em livre tradução para o português). A grande defesa do movimento é pela densidade das cidades, a partir da construção de moradias. O YIMBY surge como oposição ao NIMBY, sigla de No in my backyard (‘Não em meu quintal’), que indo de encontro ao primeiro movimento, luta pela restrição ao setor imobiliário e a outros empreendimentos em seus bairros. No geral, o perfil dos integrantes do YIMBY é de pessoas mais jovens, que ao entrarem no mercado de trabalho, buscam viver em lugares próximos às ofertas de emprego e se frustram ao se depararem com moradias inacessíveis pelos custos altos. Já os NIMBYS geralmente são pessoas mais velhas ou até mesmo com melhores condições financeiras, moradores de casas valorizadas e que defendem a manutenção do perfil de seus bairros.
Da Califórnia, o movimento ganhou força e se expandiu para outras cidades dos Estados Unidos e, de lá, para outros países. Além do YIMBY Action, nome do grupo de São Francisco, hoje existe também o Alliance YIMBY, no Reino Unido; o New York YIMBY e o Londres YIMBY.
Os grupos trabalham de formas distintas e independentes, podendo ser através de reivindicações, divulgação de bons conceitos, conscientização através das redes sociais etc. Nos Estados Unidos, o movimento já obteve bons resultados até mesmo no que se refere à alteração de leis, como aconteceu na Califórnia, onde uma modificação da legislação, em setembro de 2021, acabou com o zoneamento unifamiliar, que permitia apenas a edificação de uma residência por parcela de terra. De acordo com o Califórnia YIMBY, essa mudança irá permitir a construção de cerca de 2,2 milhões de novas moradias no Estado.
E embora os problemas referentes à habitação também façam parte da realidade brasileira, a boa notícia é que a influência do movimento YIMBY já chegou ao país. Por aqui, diversos jovens já se mobilizaram e criaram representações do movimento em suas localidades, como o YIMBY Rio de Janeiro e o YIMBY São Paulo. Conversamos com os representantes desses movimentos, que contaram sobre a iniciativa e os resultados que já estão aparecendo.
Movimento YIMBY no Brasil
Os grupos do movimento YIMBY não necessariamente nascem por motivações profissionais ou acadêmicas. Ao contrário, em muitos casos, são apenas jovens que perceberam a necessidade de discutir o tema sob a perspectiva de suas próprias cidades, como é o caso de Andrey Barbosa, do YIMBY Rio de Janeiro. No Rio, o movimento nasceu no Instagram, em meados de 2020, a partir de um grupo de estudos sobre o tema ao qual Andrey participava. O movimento não tem qualquer relação com partidos políticos e é feito de forma voluntária por seu criador, que tem 23 anos e é ciclista, fato que o motivou a se envolver com a causa. Isso porque um dos resultados gerados por localidades mais densas é o incentivo à mobilidade ativa e à menor dependência de carros e transportes públicos.
“No movimento YIMBY, existe um estímulo muito grande à mobilidade ativa, porque o coração da defesa do movimento é em relação ao uso misto das cidades. Então existe hoje uma proposta para que não haja essa separação de um bairro só de comércio e um bairro só de residência. Isso traz um ganho muito grande no sentido de aproximar as pessoas dos seus locais de trabalho, dos seus locais de lazer, porque tudo é mais perto”, explica Andrey.
Os representantes brasileiros do movimento fizeram adaptações de acordo com os problemas e demandas do Brasil. Guilherme Pereira fundou o YIMBY São Paulo em 2020. Ele conta que boa parte das discussões da cidade acabam adentrando no âmbito do governo. “É porque aqui no Brasil não tem como analisar o tema sem colocar o poder público no meio, porque o poder público tem razão de uma grande parte da população não ter renda ou não conseguir ter acesso a crédito, não conseguir acesso ao mercado privado. O poder público tem uma importância enorme em prover também moradia para essa parcela da população que não teria acesso ao mercado privado”, conta Pereira.
De acordo com ele, mesmo alguns dos problemas em comum entre as cidades brasileiras e as norte-americanas são causados por aspectos diferentes. “A gente tem que também encontrar as nossas fontes nacionais, locais para identificar os nossos problemas na parte de moradia ou equipamentos urbanos, como infraestrutura de transportes, metrô, parques, praças. Eu tento sempre englobar outras partes, outros temas”, diz.
O criador do YIMBY São Paulo é advogado, mas seu envolvimento com o projeto não tem relação com a profissão. Desde antes da graduação, ele se interessou por assuntos relacionados a cidades e ao desenvolvimento urbano, e suas ideias constantemente sofriam resistência, já que sempre tentava ver o lado positivo dos projetos e iniciativas. Quando soube da existência do movimento, através do twitter, ficou motivado a discutir as questões habitacionais dentro da perspectiva paulista. “Eu geralmente concordo com um cara que não é um apoio cego, porque muitas vezes há equívocos e erros, seja de iniciativa ou projetos mal feitos. Mas eu sempre vi o lado positivo, de você ter essa transformação saudável, e que é inevitável a sociedade mudar, a sociedade avançar e sempre trazer uma discussão mais qualitativa, discutir a forma como isso vai acontecer e não tentar impedir que isso ocorra”, afirma.
Os dois movimentos no Brasil funcionam de forma independente, mas ambos usam as redes sociais para expandir as ideias, com textos e análises sobre as cidades e a divulgação de novos conceitos, muitas vezes desconhecidos ou interpretados sob a perspectiva do senso comum. Guilherme tenta explicar, de forma simplificada, a importância de algumas ideias e projetos, que muitas vezes ganham antagonistas que nem entendem seu real significado. “Por exemplo, está tendo a revisão do Plano Diretor de São Paulo. Então, trazer essa discussão para o público, de uma forma mais informal, não tem por que ser técnico ou empregar termos jurídicos para passar uma mensagem mais acessível para as pessoas poderem entender o que está em discussão e quais são os reflexos. Se você é contra um prédio em um certo bairro, quais são as consequências disso para aquela cidade, para aquele bairro, para mais pessoas morarem próximas do emprego, do metrô? Então eu tento mostrar as consequências de forma mais simples para as pessoas entenderem”, afirma.
Problemas relacionados à habitação
Uma das características que é erroneamente associada ao movimento é a verticalização, com a ideia de que o YIMBY defende a construção de prédios. Andrey reitera que muitas iniciativas defendidas pelo grupo não passam, necessariamente, pela verticalização e sim pelo adensamento. “É importante traçar essa linha de diferenciação entre verticalização e adensamento. O que o movimento YIMBY defende é o adensamento, que não necessariamente é verticalização. Pode se ter adensamento sem verticalização. Um exemplo muito grande disso são as favelas. A gente sabe que as favelas têm todos os problemas sociais, mas existe uma relação bem curiosa, que ali na favela você consegue ter acesso ao comércio muito mais rapidamente do que você teria num condomínio, por exemplo. Porque, como ali na favela é tudo juntinho, você acaba tendo uma proximidade muito maior, é mais fácil andar a pé”, exemplifica.
Andrey observa que muitas limitações em relação à construção de residências em pontos de interesse existem por conta das próprias leis ou planos diretores de determinadas cidades, como é a questão da chamada setorização que, de acordo com ele, reúne em um só local diferentes opções de um só tipo de serviço, como uma rua só do setor bancário ou só do setor hoteleiro. “Isso é um problema, porque a gente começa a ficar distante de tudo. O deslocamento, que antes era de dez, quinze minutos a pé, se torna um deslocamento de meia hora de carro e sessenta minutos de ônibus. Então, acaba sendo uma coisa muito complicada. Eu me identifico com o movimento YIMBY por conta disso, porque o coração do movimento é fazer com que a cidade seja essa ordem espontânea”, explica.
No contexto brasileiro, também existem aqueles que não concordam com as pautas defendidas pelo movimento, como os NIMBYS, mesmo quando não identificados dessa forma. “São pessoas que se opõem, por variadas justificativas, que em alguns casos podem ser verdadeiros e em outros casos atraem uma narrativa para justificar a própria causa. Eles usam o termo defesa do meio ambiente, patrimônio histórico, que são causas existentes e importantes, mas que acabam sendo sequestradas por aquela pessoa que muitas vezes não quer que tenha, por exemplo, em São Paulo, uma estação de metrô no bairro, ou ela acha que um prédio vai descaracterizar o bairro, ou ela acha que aquele prédio vai atrair um público social, uma faixa de renda, que para ela não deveria estar ali”, diz Guilherme. A questão do tombamento de patrimônio histórico também é citada por Andrey, que a considera um dos maiores obstáculos no que diz respeito à política de habitação. O criador do YIMBY Rio corrobora com o amigo, explicando que, apesar de não ser especialista no tema, entende que há uma linha tênue entre a preservação de um patrimônio e a restrição da oferta de habitação.
Existem, ainda, cidades que, segundo Andrey, impõem recuos obrigatórios na legislação urbanista, como recuos ajardinados, por exemplo, o que é visto como mais um problema. “Você acaba sendo forçado, como eu falei, a morar distante de tudo aquilo que é de interesse, porque existe uma lei que diz que tem que ter não sei quantas vagas de estacionamento para cada moradia, que tem que ter uma quantidade X de metros de recuo em relação aos edifícios”, comenta Andrey.
A localização das construções é um ponto essencial da discussão do YIMBY, que não trata apenas da construção de casas. “O senso comum diz que é pra fazer habitação. Mas habitação onde? E isso é um problema também que poucas pessoas falam, que hoje o governo fez o Minha Casa Minha Vida e tal, mas você vai ver a localização das obras do Minha Casa Minha Vida, aí são 50, 60, 70 km do Centro. E aí, volta para aquilo que eu falei lá no começo. Às vezes, a pessoa mora numa favela, perto do local que ela tem lazer, trabalho e tal. Aí ela vai para o condomínio do Minha Casa Minha Vida a 50, 60 km daquele local. Então, é uma coisa que precisa ser ponderada também”, reitera.
Desafios
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Guilherme considera que todas essas discussões perpassam pela esfera do poder público, que deve conscientizar a população a respeito desses debates, e do setor imobiliário que, de acordo com Guilherme, muitas vezes tem produções de baixa qualidade comparadas ao que é possível ser feito a partir das leis e da renda disponibilizadas. “O papel principal gira em torno do poder público, de dialogar com esses diferentes interesses e gerar um resultado melhor para a sociedade”, diz. O advogado considera que é responsabilidade do Estado melhorar sua própria produção de habitação, a partir de bons projetos de referência e da estruturação das normas da cidade.
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O representante do YIMBY Rio também enxerga que ainda existam limitações relacionadas ao poder público. Andrey relembra que os problemas de habitação não serão resolvidos apenas com construção de casas ou com a criação de mais linhas de metrô, apesar de também serem iniciativas essenciais. “Mas uma coisa muito importante, que é muito pouco falada hoje, no nosso país, é essa questão legal, dos planos diretores, de como que eles tratam a oferta de habitação e como algumas legislações tornam muito mais difícil a vida de, não só quem está construindo habitação para ganhar dinheiro com isso, que são as incorporadoras, mas também das pessoas que querem comprar habitação”, pontua.
Resultados
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A conscientização da população e a divulgação eficaz das reflexões relacionadas à habitação e à mobilidade urbana são os principais resultados alcançados com o trabalho nas redes sociais.
Andrey conta que uma das coisas que ele percebe é a surpresa das pessoas ao verem o quanto esse assunto atinge a vida delas. “O que eu vejo de principal conclusão nesse meu voluntariado, nesse meu projeto de mobilização, é isso. É mostrar para as pessoas que a cidade é uma questão muito importante e que é esquecida. E que além disso tudo, é uma questão apartidária. Isso que eu estou te falando não é coisa de direita, não é coisa de esquerda, não coisa de cima, de baixo. É uma questão que passa por todas as ideias e todos os espectros políticos. Eu conheço gente do movimento YIMBY que é de esquerda, de direita, de centro, de extrema esquerda, de extremo centro. Não existe uma bandeira política ou partidária específica disso, sabe?”
Andrey reitera sobre a liberdade que existe no movimento, já que não é necessário um pedido de autorização que regule as postagens. “Você só se identifica com as pautas do movimento, você pega, faz lá a página e começa a divulgar os conteúdos. É isso que eu faço. E eu gosto de fazer, inclusive, um trabalho interdisciplinar de conscientização. Porque, novamente, as pessoas acham que essa questão de cidade é só dos engenheiros, dos arquitetos, mas não, é de todo cidadão, que é afetado positiva e negativamente por isso e é um dever cívico a gente estar consciente daquilo que funciona na cidade e daquilo que não funciona”, destaca o ciclista, que abre o convite para os que se interessarem em ajudar a escrever os textos.
Orgulhoso, Andrey relembra que a principal proposta do movimento é o do uso misto do espaço urbano, que chega para encurtar as distâncias. “A melhor mobilidade é aquela que você não sai do lugar. Então, uma cidade densa, compacta, você consegue ter isso. Que é diferente do que a gente tem hoje, que é uma cidade setorizada, dividida e dependente de carro”, conclui.
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