Hoje é:24 de novembro de 2024

“Cautela é a palavra-chave”

Especialistas falam sobre a volta de Lula ao poder e as muitas incertezas que rodeiam o setor industrial

Por Carlos Cruz | Fotos: Pedro França/Agência Senado (CC BY 2.0), Alberto Coutinho/SECOM (CC BY 2.0), Marcos Santos/USP Imagens, Ricardo Stuckert, Ana Claudia Jatahy – MTUR

A volta do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva ao poder tem agitado o cenário político e econômico do país. Apesar do momento ainda ser de transição, o novo governo já tem sinalizado suas intenções e propostas. Para conhecermos melhor o que é esperado para o setor construtivo com a mudança no governo federal, conversamos com a coordenadora dos projetos de construção do FGV IBRE, Ana Maria Castelo, responsável pelo índice da construção, e com o vice-presidente eleito da Anicer, Sandro Silveira, que apontaram as tendências para o setor de acordo com as indicações do período de transição.

A volta do Minha Casa Minha Vida

Criado em 2009, no segundo mandato do governo Lula, o programa habitacional Minha Casa Minha Vida passou por uma série de reformulações durante o governo de Jair Bolsonaro. Com o nome de Casa Verde e Amarela, o programa modificou as faixas de renda, aplicou novas taxas de juros e incorporou outros tipos de modalidades de atendimento, como a regularização fundiária e a melhoria habitacional, enquanto o Minha Casa Minha Vida abarcava apenas a produção dos imóveis.

Com o anúncio do retorno do MCMV, a principal modificação esperada é a recuperação do protagonismo da primeira faixa de renda, a Faixa 1, que, de acordo com a coordenadora da FGV IBRE, é onde estão concentradas as necessidades habitacionais do país. Ana Maria ainda aposta que o tipo de ação do programa também deva mudar. “Em vez de o governo focar, como foi no governo do Lula, da Dilma, mais na produção habitacional e naquela produção totalmente subsidiada, eu acho que outras formas de atuação devem ganhar mais protagonismo, como a questão das parcerias com os estados, até mesmo com a iniciativa privada, a questão de regularização fundiária. Outras formas de ação devem ganhar importância dentro dessa preocupação e voltar a se beneficiar mais as faixas que realmente compõem a maior parte do déficit, a chamada faixa 1”, afirma a especialista.

Apesar das teorias acerca das mudanças, a prática ainda tem gerado muitas incertezas, dada as dificuldades orçamentárias. Ana Maria explica que o atual governo já fez uma reformulação no programa habitacional, que em 2021 passou a dar maior protagonismo às faixas de renda mais elevadas. Agora, para que as faixas de renda mais baixas voltem a ser beneficiadas, o governo eleito precisará contornar as dificuldades fiscais. “Eu acho que a questão da parceria com estados e municípios, já foi decidido, deve ganhar uma maior força, para poder justamente conseguir atender a esse objetivo de você focar nas rendas mais baixas novamente, porque assim, o governo federal sozinho realmente não vai conseguir fazer isso. Novamente dar maior protagonismo às entidades sociais, à atuação das entidades sociais também, não é?”, analisa.

Limitações orçamentárias

A equipe do presidente eleito indicou a necessidade de uma licença para gastar cerca de R$ 200 bilhões fora do teto de gastos. O valor seria necessário principalmente para fazer a manutenção do Auxílio Brasil. Ana Maria reitera que a aprovação da PEC que permitiria o gasto é fundamental para saber o andamento das propostas. Ela pontua que os problemas orçamentários poderiam tirar recursos até mesmo das obras em andamento.

O vice-presidente eleito da Anicer, Sandro Silveira, explica que é difícil fazer previsões acerca das políticas públicas habitacionais e relembra que o novo governo ainda não indicou sua equipe econômica.

Para Silveira, poucas coisas estão bem definidas e uma delas é que o governo irá tentar diminuir o déficit, aumentando a carga tributária em capital. Além disso, outro ponto negativo,na opinião do representante da Anicer, é que o novo governo já assumirá com uma dívida imensa. “Dívida grande sugere aumento de risco e juros, duas variáveis péssimas para habitação”, avalia Sandro. “O setor da construção é a forma mais lógica de aquecer a economia, gerando emprego e renda, logo, seria muito oportuno uma política habitacional agressiva”, afirma.

Ana Maria acredita que os próximos meses serão essenciais para que o governo defina como será feita a acomodação das demais despesas dentro do orçamento. “O cobertor é curto, a gente sabe. Como é que vai ser essa acomodação, essa discussão, é algo que hoje a gente ainda não tem muito claro, porque a preocupação principal é com o auxílio, o que vai voltar a chamar Bolsa Família e o auxílio para as crianças”, destaca a coordenadora.

Os primeiros mandatos do presidente Lula

O comparativo com os outros mandatos do PT poderiam nortear as empresas que desejam se preparar melhor para a volta do partido, mas em um contexto tão diferente, esperar o mesmo não é a solução.

“Vai ter uma mudança, porque a situação fiscal é diferente agora e nos próximos quatro anos do que no primeiro e segundo governo do Lula. Quer dizer, a disponibilidade de recursos orçamentários que se teve naquela época não se vai ter mais”, avalia Ana Maria. Ela acredita que outras políticas, fora a produção habitacional, serão adotadas. “A questão do aluguel social, acho que deve ser recuperado mais fortemente no discurso. O próprio Casa Verde e Amarela colocou dentro do programa a questão da regularização fundiária e de melhorias habitacionais. Eu acho que isso é uma coisa que deve ser melhorada pelo governo do Lula”, defende Ana Maria.

Sustentabilidade

O presidente eleito não perdeu tempo e marcou presença na 27ª edição do maior encontro global sobre mudanças climáticas, a Conferência do Clima da Organização das Nações Unidas (COP 27), no Egito.  Lula afirmou que, em seu governo, a defesa ao meio ambiente será prioridade.

O tema muito interessa ao setor da construção, que percebe a importância de adotar iniciativas para diminuir os impactos negativos de seus processos. “A preocupação com a sustentabilidade é uma coisa que já se incorporou à agenda da cadeia da construção e que veio para ficar. Claro, é um setor muito pulverizado, onde o valor do bem final, se você pensar no mercado imobiliário, faz uma diferença muito grande de caber no bolso, então as mudanças ocorrem de uma forma muito mais lenta”, explica Ana Maria.

A temática não é uma novidade, mas ganha um peso ainda maior quando autoridades reconhecem a importância da discussão. “O próprio Minha Casa Minha Vida, depois o Casa Verde e Amarela já foi introduzindo essa preocupação com a questão da sustentabilidade, e as empresas começaram a incorporar a sigla ESG”, explica Ana Maria. “O fato de você ter um presidente que destaca isso, eu acho que tende a ganhar mais relevância”, conclui.

Em meio às incertezas, é importante que as empresas estejam atentas às sinalizações e movimentações da equipe de Lula. Para o vice-presidente eleito da Anicer, estudar os contextos e propostas serão essenciais para deixar sua organização preparada para as futuras mudanças. “Não será um 2023 tranquilo. Cautela é a palavra-chave”, finaliza Sandro.

Carlos Cruz é jornalista na Anicer.

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