Por Carlos Cruz
Um novo modelo de construção promete chegar ao mercado brasileiro como uma tendência já para os próximos anos. Criado na Alemanha em 1991 pelo físico da construção Wolfgang Feist e pelo engenheiro sueco Bo Adamson, o conceito de Passivhaus (Casa Passiva, em tradução livre) explora edificações com alto conforto térmico interno aliado à economia de energia.
No Brasil, o assunto ainda é uma novidade, mas algumas entidades acreditam na futura consolidação desse mercado. Para entender melhor do que se trata o Passivhaus, a Revista da Anicer conversou com o professor da Universidade Federal de Pelotas Eduardo Grala da Cunha, um dos organizadores da Passive House Brasil, congresso internacional que discute a nova tendência.
Passivhaus X Construção Passiva
Antes de entender o que é o Passivhaus, é importante saber que as construções desse conceito são diferentes daquilo que comumente chamamos de Construção Passiva. Cunha explica que uma casa passiva é muito menos complexa que uma Passivhaus. “Qualquer construção pode ser passiva a partir do momento que ela utiliza estratégias de climatização natural adaptadas ao clima de forma adequada, aproveitando a radiação solar em um clima frio para esquentar, proteção contra radiação solar no verão, explorando a ventilação natural pela ação do vento ou pelas diferenças de temperatura, e por aí vai”, afirma o especialista.
Por outro lado, para ser considerada uma Passivhaus, a construção deve seguir uma série de requisitos que garantam sua qualificação. Além disso, o edifício também deve ser certificado pela entidade alemã “Passive House Institute (PHI)”. “O passive house é uma standard, uma norma alemã que preconiza edificações com alto nível de eficiência energética, alto desempenho e baixo consumo de energia. Elas utilizam, sim, estratégias passivas, como orientação solar, e controle de radiação solar. Por outro lado, a standard passivhaus é uma outra forma de concepção da edificação, a edificação tem um outro funcionamento”, complementa.
A Passive House
O grande objetivo da Passive House é unir economia de energia e simultaneamente proporcionar conforto térmico aos usuários da edificação. “É um edifício que tem um pulmão artificial, que é isolado termicamente. Esse pulmão controla a qualidade do ar, filtra poluentes, mantém a quantidade de CO2 baixa, ou seja, ele dá um outro nível de qualidade que a gente não discute no Brasil”, explica Cunha. De acordo com o especialista, essas construções contam com um sistema de ventilação mecânica com recuperação de calor e seu isolamento térmico é feito internamente, o que não é comum.
A Passive House Standard estabelece cinco princípios de projeto e alguns requisitos de desempenho para que uma construção seja considerada uma Passive House:
Princípios:
- Esquadrias eficientes;
- Isolamento térmico do envelope;
- Minimizazção das pontes térmicas – pontos vulneráveis do edifício, onde existem perdas ou ganhos de calor muito excessivos;
- Estanqueidade;
- Ventilação com recuperação de calor.
Requisitos de desempenho:
a) A demanda por energia para aquecimento não deve ser superior a 15 kWh/(m².a), ou a carga térmica não deve ser superior a 10W/m²;
b) A demanda por energia para arrefecimento não deve ser superior a 15 kWh/(m².a);
c) A demanda por energia primária, energia total a ser usada em todas as aplicações domésticas (aquecimento, água quente e eletricidade doméstica) não deve exceder 120 kWh/(m².a);
d) O edifício deve ser hermético, com o máximo de 0,60 renovações de ar por hora à pressão de 50 Pascal;
e) O conforto térmico deve ser atendido para todas as áreas de permanência durante o inverno, bem como no verão, não ultrapassando 10% das horas em um determinado ano à temperatura de 25°C.
Fonte: Passive House Brasil
Passive House X Construções comuns
Muito diferente das construções comuns, a passive house se destaca por fatores que vão muito além da estética. O professor considera que o nível tecnológico e a qualidade dos materiais são o ponto forte dessas edificações, e também o que as diferencia das demais. Ele explica que o isolamento térmico exterior, por exemplo, não é algo muito utilizado em casas comuns, e, quando é usado, é por conta da questão das fissuras, o que não tem relação com a proteção térmica da variação da temperatura externa. Além disso, ele reitera que as esquadrias de uma passive house também são diferentes por apresentarem uma transmitância térmica muito baixa, serem isoladas e não terem elevada estanqueidade. “Esquadrias, a parte de isolamento e o sistema de ventilação mecânica interna, que é um ventilador que vai trocando o ar interno com o externo e vai trocando o calor do ar interno com o externo, isso também não tem, a gente não tem isso. É uma outra construção, a parte de execução é muito difícil para essa casa”, analisa. O esperado é que o mercado de Passive House no Brasil abarque edificações com alto padrão construtivo, como conjuntos habitacionais e condomínios, aposta Cunha.
Blocos cerâmicos em uma Passive House
Diante de tantos argumentos, pode-se observar que as construções que temos hoje no Brasil estão bem distantes da passive house, inclusive pelos materiais utilizados. De acordo com o professor, é importante entender que o funcionamento desses edifícios é diferente e, por isso, as ferramentas também não são as mesmas. “Ele é um prédio isolado termicamente, não tem praticamente quase nenhuma interferência do clima externo, quente ou frio, porque ele está bem isolado, com janelas que são muito eficientes, que não entra ar por infiltração, é um prédio isolado, voltado para dentro e dentro tem um pulmão, um sistema que pega e faz essa troca. Então os materiais são pensados para que ele funcione dessa forma”, destaca.
Para Cunha, os blocos cerâmicos são, sim, uma opção, mas não da forma como conhecemos. Ele explica que o uso do sistema de blocos cerâmicos acontece como uma estratégia passiva conhecida como massa térmica, que consiste no uso de materiais pesados, como a cerâmica, ajudando na regulação térmica. Assim, no período em que aquece, esse material retira o calor do ambiente; quando esfria, ele cede calor ao ambiente. Integrado aos blocos, deve-se colocar externamente um material que funcione como isolante térmico.
O especialista reitera que uma edificação é, na verdade, um sistema, onde o desempenho de um componente interfere no desempenho de outro. Um material isolado não faz com que um edifício seja uma Passive House. “O material também está vinculado à maneira como está projetando, como está explorando as questões passivas, como está explorando a orientação solar, a ventilação natural, a própria questão da cor do edifício”, pontua.
O mercado no Brasil
A Passive House ainda é uma novidade no Brasil, onde esse mercado é quase inexistente. Cunha explica que o alto padrão desse tipo de edificação ainda está fora da realidade brasileira que, atualmente, só conta com uma casa certificada como Passive House e outra que está sendo construída por Cunha, ainda em processo de pré-certificação com a equipe alemã. Vale destacar que as pessoas que desejarem investir nesse tipo de imóvel devem buscar profissionais com o conhecimento técnico necessário, além de estarem dispostas a pagar um valor mais alto.
A questão cultural é outro dos fatores que dificultam o surgimento desse mercado no Brasil. Para Cunha, os brasileiros já se acostumaram com o desconforto. “De uma forma geral, nossos edifícios têm baixo desempenho, têm baixo nível de conforto térmico. Em função das esquadrias que a gente trabalha, em função de que não há uma preocupação muito grande com a questão de orientação solar, não tem isolamento. Então, de uma forma geral, a gente aceita o desconforto térmico que nós temos nas edificações como uma coisa cultural. É frio dentro de casa porque é frio lá fora e a gente aceita”, analisa.
Mas esse quadro promete mudar, e o país, em breve, poderá assistir à chegada de mais edificações desse estilo. Cunha considera que no mercado brasileiro já é possível encontrar esquadrias que contam com uma transmitância próxima à de uma Passive House, o que já mostra um certo preparo do país.
O Passive House Brasil
Entre os dias 30 de novembro e 2 de dezembro, aconteceu o III Congresso Internacional Passive House Brasil 2022, realizado no auditório da Universidade Católica de Pelotas, no Rio Grande do Sul. O encontro reuniu especialistas em Passive House de diversos países do mundo, profissionais considerados ‘passive house designers’, como o arquiteto espanhol Micheel Wassouf, o arquiteto Juan Manoel Castagno, a arquiteta alemã Susanne Theumer e o arquiteto alemão da Passive House Institute, Dragos Arnautu. Contou também com a participação do arquiteto chileno Marcelo Hunchñir. O evento também contou com a participação de grandes empresas, como a Scheid Esquadrias, a Veka Latino-Americana, a Sto, a incorporadora Incoben e a empresa Higge Engenharia Arquitetônica Sustentável. O objetivo do congresso foi aproximar empresas, profissionais da passive house, mercado e academia.
O professor conta que, no Brasil, o mercado de Passive House tende a eclodir e que eventos como esse chegam para trabalhar as questões relacionadas ao tema. Ele também reitera que o congresso passará a acontecer todo ano, mas em diferentes polos no Sul do Brasil.
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