Por Juliana Meneses sob supervisão de Manu Souza | Imagens: Divulgação
O mercado da construção civil ainda é majoritariamente masculino, mas é notável um crescimento de mulheres que ingressam nessa área, em diversas funções, agregando valor e quebrando paradigmas.
Segundo o Conselho Federal de Engenharia e Agronomia – Confea, o número de mulheres engenheiras registradas, passou de 13.772 em 2016, para 19.585 em 2018, um crescimento de 42%. A presença feminina cresce não somente nos escritórios de engenharia, as mulheres estão se profissionalizando em funções para trabalhar nos canteiros de obra e com os avanços tecnológicos, incentivo do poder público e de empresas privadas, estão conseguindo se empregar na área obtendo reconhecimento por serem perfeccionistas e cuidadosas com detalhes.
Inúmeros projetos contribuem diretamente para a profissionalização de mulheres na construção civil, como os projetos “Mulher em Construção” e “Mão na Massa”, que ministram aulas gratuitas para mulheres em situação de vulnerabilidade social.
Mulher em Construção
A iniciativa foi criada a partir de um projeto piloto implementado em 2006, no Município de Canoas (RS). Hoje, vem se estendendo para outras regiões, com demandas frequentes em São Paulo. Bia Kern, fundadora da ONG, mesmo sem conhecimento na área, teve a iniciativa de firmar parceria entre professores voluntários e empresas ligadas a construção civil para ensinar técnicas de pintura predial e texturas às mulheres.
A instituição Mulher em Construção já beneficiou diretamente mais de 5.000 mulheres com cursos e oficinas na área da construção civil e 20.000 de forma indireta. A ONG tem parceria com órgãos públicos e empresas privadas que enxergam a importância da capacitação e inserção de mulheres nesse mercado.
“Quem foi que disse que uma mulher não pode erguer muros, misturar cimento, subir em andaimes e construir um futuro melhor? Para mim, ninguém disse isso. Ao contrário, eu sempre ouvi da minha mãe, Dona Diva, que a mulher precisa ser independente e batalhadora, sem deixar de ser parceira do homem. No lar, junto com três irmãos e três irmãs, aprendi que “não tem coisa de homem” nem “coisa de mulher”. Todo mundo pode e deve lutar pela sua felicidade, de preferência unido, sem disputa ou concorrência”, relata Bia.
São oferecidas oficinas gratuitas para mulheres maiores de 18 anos e em situação de vulnerabilidade socioeconômica, muitas vezes, vítimas de violência. Por meio das redes sociais, as interessadas se candidatam ao projeto e participam das aulas que têm duração máxima de 400 horas. Os treinamentos incluem leitura e interpretação de planta baixa, empreendedorismo e cooperativismo e desenvolvimento de pensamento crítico com relação à sexualidade, autoestima, empoderamento, sustentabilidade e relações interpessoais no local de trabalho. Essas mulheres são acompanhadas por serviço de monitoramento social por até dois anos.
“Quem foi que disse que uma mulher não pode erguer muros, misturar cimento, subir em andaimes e construir um futuro melhor?
Apesar das dificuldades para enfrentar o preconceito com mulheres trabalhando em canteiros de obras, o projeto, de forma gradual, conquista seu espaço, apostando na capacitação técnica, profissionalismo e força de vontade. Os serviços de acabamentos e reparos são os que têm mais mercado para as trabalhadoras. As empresas parceiras que investem no projeto, através de recursos financeiros ou materiais, têm um papel fundamental no incentivo da diminuição da desigualdade de gênero e no auxílio da melhora da empregabilidade dessas profissionais, que anteriormente, se encontravam em situação de vulnerabilidade, principalmente por não possuírem formação técnica.
Youtube e Instagram como ferramenta de empoderamento
As redes sociais também auxiliam na quebra de preconceito e mostram que mulheres podem aprender a executar serviços ditos como masculinos. As engenheiras Camila Soares e Iza Valadão estão entre os perfis mais influentes da engenharia civil do país, ambas por meio das redes sociais difundem seus conhecimentos técnicos e são exemplos de como mulheres podem ocupar qualquer espaço.
Para Camila Soares, apesar da construção civil ser um mercado predominantemente masculino, isso tem mudado. Muitas engenheiras hoje lideram grandes equipes, o que contribui para modificar a mentalidade das empresas quanto ao papel dessas mulheres em cargos de chefia. Desde que a engenheira começou nas mídias sociais, em 2017, um grande número de mulheres a procuram, diariamente, para falar como ela serve de inspiração, sobretudo porque alguns anos atrás ainda não era convencional ver mulheres engenheiras usando o Instagram como ferramenta de trabalho e engajamento.
“Uma seguidora me mandou uma mensagem que me emocionou. Ela disse que trabalhava na construção civil, na área de infraestrutura, e após muitos acontecimentos de desvalorização, ela resolveu desistir da área, pelo fato do machismo e tudo mais. Mas, começou a me seguir e viu que tem uma luz no fim do túnel. E isso é muito gratificante de ler, porque eu estou conseguindo atingir meu propósito, usando as redes sociais”, conta Camila.
Segundo Iza Valadão, sobre sua utilização das redes sociais, “Me auxiliam muito, pois através dela mostro meu conhecimento técnico, que muitas vezes é colocado na berlinda, pelo simples fato de ser mulher”.
Influenciadores digitais que colocam a mão na massa também estão em alta nas redes. O perfil “Casal à Obra”, formado por Sidnei e Nelma Beatriz, começou com a ideia de um diário de reforma para dividir com o público a experiência do passo a passo no processo de construção da casa deles. Hoje, eles trabalham com as plataformas Youtube, Instagram e um blog, para falar sobre arquitetura, construção e decoração, além de uma loja on-line com produtos de design.
Para Nelma, o maior desafio para a mulher no mercado da construção civil ainda é conseguir a oportunidade na área, para demonstrar que é capaz de realizar o trabalho, contudo, destaca também a desigualdade salarial como outro fator a ser discutido. Ela acredita que uma forma de empoderar outras mulheres a investir em carreiras no ramo da construção é mostrar que todas conseguem.
“Devido acompanhar as obras, costumo compartilhar todos os processos de execução para que nossos seguidores fiquem inteirados no assunto, principalmente, quando estou no momento mão na massa. Penso que se eu consigo realizar aquele trabalho, todas conseguem. Vejo que hoje a mão de obra feminina na construção civil também está sendo beneficiada pelos avanços tecnológicos, existem várias ferramentas e produtos que, cada vez mais, dispensa a força física e privilegia a qualificação profissional”.
De acordo com Nelma, o setor de construção tende a aumentar e perfis profissionais femininos, qualificados, contribuem para um mercado mais competitivo.
Canais especializados em construção, também contam com a presença feminina. O “Bora na Obra”, projeto do casal de arquitetos Rafaella e Alex Brasileiro tem audiência de 37,9 mil inscritos no Youtube e cerca de 134 mil seguidores no Instagram. A marca também possui um livro “Guia Definitivo para Pequenas e Médias Obras”. Com a realização de projetos de arquitetura, a iniciativa também desenvolve cursos com mais de 2.900 alunos, sendo cerca de 60% mulheres.
“O processo de entrar nesse universo da obra é a maior barreira que a mulher precisa vencer. É aceitar e acreditar que ela é capaz.”
Para Rafaella, as redes sociais são uma forma de, por meio da experiência prática, mostrar que é possível uma mulher estar no ramo da construção. Sua equipe conta hoje com mais da metade do grupo feminino, dando espaço para arquitetas e engenheiras.
“A gente tem mais de dois mil e novecentos alunos do Bora na Obra e uma parcela disso, 50% ou 60%, depende da turma, estão meio a meio, é mais mulher do que homem. Estão fazendo e acontecendo e atuando com projeto e obra. As mulheres que não faziam obra estão cada vez mais próximas do canteiro, quando elas dominam tecnicamente o que precisam para estar ali”.
Desafios da mulher na construção
Ainda que a presença das mulheres na construção civil esteja em ascensão, o preconceito de gênero continua como um dos maiores obstáculos para a absorção dessas trabalhadoras no mercado, mesmo quando elas são igualmente, ou até mais, capacitadas do que os homens. O combate a esse preconceito e o incentivo público/privado é fundamental para que essa barreira seja quebrada. Em tempos de crise, profissionais capacitadas e aptas para exercer as funções, são aliadas fundamentais para o fortalecimento do setor.
De acordo com Rafaella, um dos maiores desafios para a mulher no setor da construção é entender que ela é capaz, já que vivemos em uma sociedade com o estereótipo da mulher frágil. “O processo de entrar nesse universo da obra é a maior barreira que a mulher precisa vencer. É aceitar e acreditar que ela é capaz. Para isso, existem treinamentos e capacitações. O conhecimento que a gente adquire na faculdade não é suficiente para atuar de forma profissional no mercado e quando você domina tecnicamente, você se torna mais segura”.
Para ela, é importante também colocar em prática os conhecimentos para se sentir confiante, e na medida em que se aprende se aplica. “É quebrar a barreira do ir, o curioso é que quando as mulheres vão para obra, a grande maioria entende que muitos dos preconceitos, dos medos, estavam muito mais na cabeça delas do que de fato na realidade como ela é”.
Hoje, mais de 200 mil mulheres atuam no mercado da construção civil no Brasil, de acordo com dados do IBGE. Entre os anos de 2007 e 2018, houve um aumento de 120%, o que representa cerca de 130 mil profissionais a mais nesse ramo, entretanto, as mulheres ainda têm seus salários defasados se comparados aos homens, que executam as mesmas funções no ramo da construção. Engenheiras civis, por exemplo, têm média salarial de R$ 8,1 mil enquanto homens recebem cerca de R$ 10 mil.
Mulher no setor cerâmico
“Não vejo nenhum problema em ser mulher e estar à frente de obras, de fábricas, de lojas. Sim, a clientela é majoritariamente masculina. Sim, os concorrentes são na maioria homens, mas podemos participar desse mercado, inclusive e principalmente, porque a credibilidade deve ser conquistada com provas de capacidade e, nesse quesito, não há diferenciação entre os gêneros”
Para a proprietária da Cerâmica Volpini e vice-presidente da Federação das Indústrias do Estado de Mato Grosso do Sul – Fiems, Claudia Volpini, o setor da Construção Civil é muito abrangente, tendo espaço para diversas atividades. Seja na parte de projetos, industrialização e comercialização de materiais, de vendas de imóveis e decoração, a construção civil é um leque enorme que facilmente atende as aptidões e talentos de qualquer profissional.
“Algumas de nós estão aqui por herança, mas ficamos por paixão. Eu, particularmente me sinto bastante confortável, tanto que incentivo minha filha a prosseguir na atividade. Não vejo nenhum problema em ser mulher e estar à frente de obras, de fábricas, de lojas. Sim, a clientela é majoritariamente masculina. Sim, os concorrentes são na maioria homens, mas podemos participar desse mercado, inclusive e principalmente, porque a credibilidade deve ser conquistada com provas de capacidade e, nesse quesito, não há diferenciação entre os gêneros”.
A ceramista ressalta que a mulher, não só pode como deve, fazer parte desse setor, até porque seu olhar diferenciado costuma ser garantia de sucesso. Os desafios são grandes, mas com posicionamentos claros, preparo e empenho qualquer preconceito se anula e se transforma em admiração.
Incentivo do Setor
No Rio de Janeiro, foi promulgada a Lei nº 7.875, que garante a reserva mínima de 5% das vagas de emprego na área da construção de obras públicas do Estado para mulheres, o que será um importante fator para contribuir para o aumento de mais mulheres futuramente.
Leis que garantem a presença de mulheres no setor são fundamentais para a ampliação dessas profissionais, sendo um fator que contribui para a equidade de gênero, meta recomendada pelo Objetivo de Desenvolvimento Sustentável – ODS, nº 05, da Agenda 2030, da Organização das Nações Unidas – ONU.
No Paraná, é a primeira vez na história do Conselho Regional de Engenharia e Agronomia do Paraná – Crea-PR, que uma mulher é eleita Coordenadora da Câmara de Engenharia Civil, tendo Cecília da Rosa como representante. Foi criado também pelo Crea-PR o Comitê das Mulheres, responsável por promover encontros estaduais, palestras e campanhas para avançar nas conquistas femininas no setor. De acordo com uma pesquisa Conselho, nos últimos cinco anos a quantidade de engenheiras no estado subiu 24%.
O Programa Mulher do Sistema Confea/Crea, foi desenvolvido com o objetivo de contribuir para que o Brasil alcance a igualdade de gênero. A ação possui 16 ações práticas específicas e, entre elas, incentivar a valorização e reconhecimento da contribuição das mulheres em todas as esperas do Sistema Confea/Crea, incentivar palestras sobre Equidade de Gênero e campanhas como “Confea sem Machismo”. O Programa fomentará a elaboração de políticas para mulheres engenheiras e também agrônomas e da área das geociências, com intuito de dar espaço ao protagonismo feminino nesse campo.
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