Hoje é:22 de novembro de 2024

Reflexos no modo de morar

Como a pandemia pode influenciar na relação com a casa e em novos hábitos das famílias brasileiras

Por Juliana Meneses – Imagens: Manu Souza e divulgação

A pandemia trouxe uma série de situações inusitadas para todos, antes, a maioria das pessoas passava pouco tempo em suas residências, divididas entre o trabalho, estudo, lazer em ambientes externos, além de tempo gasto com deslocamentos para todas estas atividades, entretanto, a situação causada pelo vírus fez com que fosse necessária uma reclusão em prol da autopreservação e da saúde coletiva. Aqueles que puderam, foram realocados para que suas atividades profissionais fossem desempenhadas no modelo home office, bem como os estudos, o que fez com que uma quantidade enorme de pessoas passasse praticamente o tempo todo em casa.

Com isso, vem sendo muito comum que haja um investimento para tornar as casas mais aconchegantes para seus moradores, já que a alternativa é passar muito tempo nelas. Deste modo, pode-se pensar que, apesar de ainda estarmos em período de pandemia, este cenário tem os dias contados, mas mesmo quando tudo isto passar, o modo como as casas passaram a ser enxergadas por seus habitantes mudou e esse efeito deve afetar de forma positiva a relação com a moradia.

A psicóloga Cibelle Morais afirma que após o ano de 2020, da pandemia e do isolamento social, os principais reflexos no modo de morar dos brasileiros é ligado ao sentimento que as pessoas têm por sua casa, foi criada uma maior conexão afetiva.“Acredito que os principais reflexos estão voltados para a maneira que as pessoas passaram a enxergar suas casas, pois para muitos a casa deixou de ser apenas uma casa para ser um lar. Existe uma diferença sutil, porém significativa em seu contexto. Uma casa é apenas uma construção de tijolos e cimento, já o conceito de lar denota algo mais afetivo, um lar possui a nossa alma e identidade”.

Cibelle acredita que o lar pode ter sido ressignificado para as pessoas neste período, em busca de mais conforto e bem-estar. “Com essa nova realidade, a capacidade de adaptação nunca foi tão necessária e uma das características mais intrínsecas do ser humano é a adaptação. Com as restrições para sair de casa e o modelo home office, ocorre um movimento de modificar o local de moradia, onde agora se passará mais tempo de vida. Passou-se então, a buscar alternativas que inspirem uma sensação de conforto, como mudanças na decoração, por exemplo. Muitos passaram a cultivar plantas, outros adotaram animais de estimação ou simplesmente começaram a dar mais atenção aos seus bichos. Como o tempo que se passa com a família cresceu consideravelmente, as mudanças no lar também acontecem em função da família. A tentativa de criar um ambiente acolhedor para quem habita uma casa, recria uma relação com o ambiente de moradia”.

A psicóloga destaca ainda que hábitos positivos adquiridos durante o período de isolamento, podem perdurar e ser inseridos na rotina dos moradores. “Naturalmente, cada pessoa levará consigo impressões boas e/ou ruins desse período de pandemia. As boas memórias, se transformarão em memórias afetivas e vão servir para ajudar a manter certos comportamentos criados no período do isolamento. Digamos que durante o isolamento uma pessoa pode descobrir dentro de sua própria casa um lugar aconchegante para meditar, por exemplo, e permanecer meditando mesmo no pós-pandemia, porque aquela atividade (naquele local) lhe fez bem de alguma forma. A casa também pode ser espaço de afeto e essa construção de memórias ressignifica para o resto da vida os comportamentos e as relações”.

Para a psicóloga, é possível que além das famílias criarem o hábito de aproveitar mais a casa, ainda seja incorporado à rotina hábitos positivos como consumo consciente ou preparação das próprias refeições. “À medida que as famílias reorganizam suas rotinas dentro de casa e tornam o ambiente mais confortável, é possível que quando as coisas voltem ao normal de antes, hábitos permaneçam, pois foram experienciadas possibilidades novas, como optar por atividades em família ou jogar um jogo de tabuleiro, ao invés de ir ao shopping todo final de semana. O ato de cozinhar se tornou mais prazeroso para muitas pessoas que se aperfeiçoaram na cozinha durante a pandemia e se descobre que a comida de casa pode ser tão ou mais saborosa do que a da rua, além de que, pode trazer benefícios para a saúde. Hábitos considerados normais, antes da pandemia, podem deixar de ser prioridade à medida que nós experimentamos alternativas. Essas pequenas mudanças podem trazer qualidade de vida e qualidade nas relações. Os cuidados adquiridos com o lar durante o período de isolamento refletem nos cuidados que passamos a ter conosco, porque o lar é a extensão do morador. Quando cuidamos do lar, também estamos cuidando de nós mesmos”.

Já os arquitetos Nathália Possamai e Rodrigo Lisbôa, da Poli Arquitetura, creem que um dos reflexos no modo de morar foi a percepção que em esquema de home office é possível trabalhar morando mesmo longe das capitais. “Primeiramente, vemos uma crescente procura por locais afastados dos centros urbanos, pois já não se faz necessário ficar tão próximo ao trabalho como antes. Com o home office em alta, as pessoas agora veem que podem morar na casa que antes era apenas de campo ou veraneio, tendo menor custo de vida com mais qualidade”.

Os arquitetos ressaltam que as casas antes tinham uma função quase passageira na vida de seus moradores, mas hoje sua importância cresceu. “Antes, a casa era quase que um dormitório apenas, as pessoas passavam o dia todo no trabalho e só voltavam para ela à noite, quando muito o maior tempo que passavam em casa era nos finais de semana. O lar foi ressignificado, pois agora as pessoas percebem mais coisas que antes não percebiam e que podem melhorar em suas casas. Além de sentirem a necessidade de deixar suas casas com sua cara e gosto atual, novos espaços foram criados, do home office, como espaços para as crianças estudarem, espaço zen, hortas etc. Cada família tem uma necessidade, um perfil, por isso vão moldando suas casas conforme sintam essa necessidade em tempos de pandemia”.

Nathália e Rodrigo acreditam que essa relação foi modificada de modo definitivo, e que os moradores sentem uma real necessidade de se identificar com este ambiente. “Acreditamos que a relação das pessoas com suas casas mudou para sempre. Não basta ter uma casa bonita ou cara, estar num local com o metro quadrado caro, se você não se sentir bem em sua casa e isso foi algo que se destacou no ano de 2020. As casas nunca mais serão pensadas apenas como mais um bem, ficou claro que para que elas cuidem de nós, temos que cuidar delas primeiro, fazendo casas bem pensadas. Por exemplo, quem construiu de qualquer jeito e não pensou itens como ventilação e insolação deve estar sofrendo mais nesse tempo de verão. Casa é abrigo, mas é local de proteção, reunião e confraternização, sempre. Quem tem uma casa espaçosa ou um terreno grande, com espaço em volta da casa pode investir em espaços de lazer, reformar cozinhas, criar áreas de lazer. Mas quem mora em um apartamento pequeno ou uma casa pequena não terá condições de ampliar, mas remodelar. Acreditamos que questões como respeito a horários e rituais como a hora das refeições devam ser mais cobrados dentro de casa, bem como horários de estudos, TV etc”.

O casal de arquitetos destaca que o investimento em profissionais capacitados auxilia em tornar a casa adequada à necessidade de cada família. “Acreditamos que muitas pessoas não pedem ajuda por terem alguns paradigmas pré-estabelecidos como “arquitetos são caros”, “obras só dão dor de cabeça”, mas isso está errado, se vier tentar melhorar sua casa por meio de tentativa e erro, terá prejuízos, temos ajudado vários clientes com consultorias que os tem ajudado a entender melhor seu espaço e as potencialidades do mesmo. Nosso conselho é: busque ajuda de um profissional, lembre-se, cuide da sua casa e ela cuidará de você”.

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Juliana Meneses é jornalista na Anicer.

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