Hoje é:28 de janeiro de 2025

A 4ª revolução no setor industrial

Especialistas falam sobre as mudanças que virão com a Indústria 4.0

Por Carlos Cruz

Dia após dia, uma nova tecnologia chega para revolucionar o mercado. Essas novidades tendem a continuar acontecendo e, em vez de combatê-las ou adiá-las, é essencial que as empresas as enxerguem como aliadas. Afinal de contas, a inclusão no mundo digital tem permitido que organizações do mundo todo ofereçam os melhores serviços e produtos aos seus clientes, que estão cada vez mais exigentes.

O conceito de Indústria 4.0 surge para classificar a integração de diversas tecnologias, que prometem mudar os modelos de produção e negócio, como a inteligência artificial e a internet das coisas.

No Brasil, já é possível notar a presença de um considerável número de empresas já inseridas nesse universo digital, em comparação há cinco anos. É o que revela a pesquisa ‘Indústria 4.0 cinco anos depois’, publicada em abril de 2022 pela Confederação Nacional da Indústria (CNI). De acordo com o levantamento, em 2021, 69% das empresas da indústria utilizavam pelo menos uma tecnologia digital em uma lista com 18 diferentes aplicações.

A gerente de Política Industrial da CNI, Samantha Cunha, afirma que a digitalização passou a ser um assunto bastante conhecido entre as empresas do setor industrial. “Eu posso dizer que em 5 anos (a primeira pesquisa foi realizada em 2016), a gente já tem mais indústrias conhecendo o tema e usando tecnologias digitais, ainda que sejam ferramentas mais simples, como as vendas que passaram a ser online agora, também muito se adaptando à pandemia, e as empresas passaram a usar WhatsApp, a usar o e-commerce”, explica a diretora. Para ela, ainda que seja uma digitalização de processos mais simples e não exatamente processo produtivo, o importante é que o número de empresas inseridas neste universo aumentou. Em 2016, a pesquisa mostrou que 48% das empresas usavam alguma tecnologia digital em uma lista com 10 tecnologias.

O fato de a maioria das empresas utilizarem poucas ferramentas digitais indica que as organizações estão em uma fase inicial do processo de digitalização. “A gente está olhando para a indústria de transformação e para a indústria extrativa brasileira. Então 30% das empresas não usam nenhuma das 18, mas quase 30% usam de uma a três. Eu tenho mais da metade da indústria usando ou nenhuma ou de uma a três da lista de 18”, afirma Samantha. “A maturidade digital da indústria brasileira ainda é baixa. Ela está numa fase inicial da digitalização, a maioria das empresas industriais”, conclui.

Mas afinal, o que muda com a Indústria 4.0?

A Indústria 4.0 é a 4ª revolução no setor industrial, com a evolução das tecnologias já existentes e o surgimento de novas ferramentas que prometem transformar o funcionamento das organizações. “A terceira revolução industrial foi sobre automação com base na microeletrônica, então aí a gente já teve desenvolvimento da automação. Essas tecnologias foram evoluindo e agora nós temos o que chamamos de 4ª revolução industrial com base nessas tecnologias digitais, que é a internet das coisas, que é a inteligência artificial, que é o Big Data, que são os dispositivos de realidade aumentada, nanotecnologia, materiais avançados”, exemplifica a representante da CNI.

A chegada das tecnologias da Indústria 4.0 é considerada uma revolução porque, de acordo com Samantha, elas se espalham por toda a economia, atingindo não só o governo, mas também as empresas e a vida das pessoas. “E essa tendência se acelerou com a pandemia. Então, antes não tínhamos tão difundido o trabalho remoto e hoje estamos todos trabalhando remotamente, fazendo reuniões virtuais. Na educação, a mesma coisa. Não se tinha cursos online na graduação. Tinha-se a educação a distância, mas não tinha sido de forma tão difundida o uso das tecnologias digitais na educação e hoje também já é uma realidade. É uma tendência que foi acelerada pela pandemia”, analisa.

Vantagens para o mercado

Existe uma série de benefícios resultantes do processo de digitalização e essas vantagens já estão sendo observadas pelas organizações. A pesquisa da CNI indica que 7 a cada 10 empresas (72%) percebem o aumento da produtividade como o principal benefício do uso das tecnologias digitais. Em seguida, aparecem a melhoria da qualidade dos produtos e serviços e a redução de custos operacionais, empatados em segundo lugar, apontados por 6 em cada 10 empresas (60%).

“Na indústria, o impacto das tecnologias digitais vai ser muito significativo, porque essas tecnologias vão otimizar os processos produtivos e torná-los mais eficientes. Os sensores vão coletar informações das máquinas, coletar informações dos produtos, e vão permitir que os gestores tomem decisões mais rápidas. Os sistemas virtuais, as realidades aumentadas vão permitir que você faça manutenção preditiva, vão permitir que você simule situações para fazer testes, desenvolver produtos, testar segurança do trabalho etc. A gente tem também o que a gente chama de gêmeos digitais, o digital twin, que é justamente a máquina virtual idêntica à máquina real. Você vai poder fazer as máquinas se comunicarem entre si, fábricas se comunicarem entre si”, explica Samantha.

A adesão às tecnologias digitais também é essencial para que a indústria brasileira volte a ganhar relevância no país. Uma pesquisa do IBGE mostrou que a indústria perdeu importância na formação do Produto Interno Bruto nos últimos anos. Em 2021, o setor foi responsável por cerca de 18,9% do total do PIB. Dez anos antes, em 2011, o percentual era de 23,1%. Além disso, a CNI mostrou que o faturamento da indústria brasileira em fevereiro deste ano foi 22,5% menor que no pico histórico, em 2013. Há 9 anos, o faturamento foi de 133.50 pontos; já neste ano, foi de 103.40. “Os benefícios que as tecnologias têm são para recuperar a indústria, são para fazer o Brasil voltar a elevar sua produtividade, a recuperar o seu espaço no mundo. Nas últimas décadas, a gente tem perdido importância na produção industrial mundial, a nossa indústria tem encolhido, não só dentro do país, como também fora. Por isso a importância das tecnologias da Indústria 4.0”, afirma a especialista.

Desafios no Brasil

Ainda existem alguns entraves que dificultam a implementação das diferentes tecnologias digitais nas empresas. A pesquisa da CNI dividiu os desafios em barreiras internas e barreiras externas. O alto custo de implantação foi o desafio interno mais citado pelas empresas (66%). Em seguida, aparecem empatadas a estrutura e cultura da empresa, a falta de clareza na definição do retorno sobre o investimento e a falta de conhecimento técnico sobre as tecnologias digitais.

A fim de impulsionar a adoção dessas ferramentas dentro das empresas industriais, a entidade está buscando apresentar alternativas. “Um pouco dessa percepção tem a ver com a dificuldade de saber como fazer, como começar. É o que a CNI está tentando fazer, inclusive conseguir mapear soluções de baixo custo, porque elas existem, assim como a CNI tenta esclarecer que esse processo não precisa se dar de uma vez, você pode ir fazendo por etapas”, afirma Samantha.

Ela ainda conta que existe um projeto piloto elaborado pela confederação com 20 empresas de médio porte. O processo inicia com uma fase de diagnóstico da maturidade digital da empresa e, em seguida, elabora-se um planejamento estratégico para investir em algumas tecnologias digitais, transitando gradualmente para a Indústria 4.0.

Entre as barreiras externas, a falta de trabalhador qualificado aparece como a opção mais apontada pelas empresas (37%). Samantha considera que esse resultado é consequência do sistema educacional do Brasil, que convive com um problema antigo de baixa qualidade na educação. “Quando a gente olha a proporção de jovens entre 18 e 24 anos que nem estudam nem trabalham, esse percentual é bastante elevado. Precisa-se atacar esse problema que é antigo, de melhorar a qualidade da educação básica, assim como precisa-se desenvolver os novos currículos. A gente teve o novo ensino médio, ele tenta aproximar a escola do mercado de trabalho. A gente precisa desenvolver as Soft Skills, que são requeridas nesse ambiente digital. São habilidades, por exemplo, a capacidade de resolver problemas, a criatividade, a resiliência, a capacidade de se adaptar às mudanças, que são muito rápidas”, explica a especialista.

Samantha complementa dizendo que também é importante que mais pessoas se formem nas áreas de ciências, tecnologia, matemática e engenharia, porque isso tem relação com o desenvolvimento das tecnologias digitais e com a capacidade de dominar a segurança cibernética, as ferramentas da Indústria 4.0 e a digitalização dos processos, como é o caso da carteira digital de trabalho, do sistema eleitoral e do pix.

Aparece em seguida, entre as barreiras externas, a dificuldade para encontrar tecnologias e parceiros (33%) e o fato de o mercado ainda não estar preparado, tanto clientes como fornecedores (29%). Ao buscar uma agenda para solucionar esses problemas, a gerente da CNI reitera a importância da ampliação dos recursos públicos em inovação. De acordo com Samantha, para modernizar tecnologicamente seus parques fabris, as empresas precisam de recursos e, por isso, essa deve ser uma prioridade no orçamento do governo.

Em quarto lugar, as empresas apontam a ausência de linhas de financiamento apropriadas (20%). Samantha comenta que além da melhoria do custo dos créditos, também é importante que as empresas conheçam as linhas disponíveis. “Em 2019, foram criadas quatro linhas de financiamento no BNDES e na Finep para soluções da Indústria 4.0, linhas que têm características de carência maior, para que as empresas consigam tomar crédito e adotar as tecnologias. No entanto, essas linhas ainda precisam ser mais usadas, elas precisam ser mais conhecidas, os recursos têm que ser ampliados, os custos podem diminuir, ainda precisa aprimorar, melhorar o financiamento para as empresas”, completa.

A posição da indústria cerâmica

Se a tendência é que as tecnologias da Indústria 4.0 cheguem para mudar totalmente os processos produtivos e o mercado, é hora das empresas identificarem seu potencial e buscarem se informar sobre possíveis posicionamentos frente à revolução. O diretor de Marketing do Grupo Tavares, Marcelo Tavares, conta sobre as possíveis mudanças no setor cerâmico. De acordo com Tavares, a Indústria 4.0 trará um maior controle na qualidade da massa e preparação da argila, já que tudo será feito de forma online, através da internet das coisas.

“Uma máquina ia conversar com a outra, que ia conversar com o sistema de umedecimento da argila, então tudo sairia no ponto certo, sem depender de nada ajustado à questão humana, tudo autorregulado com internet das coisas. O forno seria alimentado de forma automatizada, com todas as características de combustível, se for gás, se for biomassa, tudo de acordo com a temperatura. Se ele quer subir, o que ele ia dosar, cada biomassa de acordo com o seu poder calorífico, de acordo com a sua densidade, a velocidade e a questão do rastreamento dos produtos, onde chegaria. Seria uma infinidade de aplicações, seria realmente revolucionário”, analisa o diretor. Tavares relembra que as máquinas não anularão a mão de obra humana, mas, sim, deixarão o trabalho mais qualificado.

No entanto, essa revolução ainda não é uma realidade dentro das fábricas. A pesquisa da CNI ofereceu resultados setoriais, avaliando também de acordo com o porte e a intensidade tecnológica. No segmento de extração de minerais não metálicos, cerca de 60% das empresas utilizam pelo menos uma tecnologia digital, percentual um pouco abaixo da média das indústrias (69%).

Marcelo Tavares acredita que as fábricas do setor cerâmico ainda não estão se preparando para as mudanças. “Claro, vão ter indústrias novas que já vão ter esse novo pensamento. A própria indústria, os fornecedores já estão pensando com essa tecnologia, com tudo isso, mas ainda vai ter as cerâmicas com o nível tecnológico mais baixo e as cerâmicas com nível tecnológico mais avançado. Tivemos a 1ª revolução industrial, a 2º, a 3ª, e essa é a 4ª, ela vai ser bem mais rápida que as outras. Algumas duraram 30, 40 anos. A última, da informática, durou 20 anos e agora a gente está em uma que vai ser muito rápida a mudança dela. Então, se a gente não tiver preparado, não ir já tentando estudar, tentando entender o assunto, a gente pode ficar mesmo ocioso no mercado”, pontua.

Segundo Tavares, apesar de os maquinários da Indústria 4.0 serem parecidos com os atuais, eles terão mais avanços tecnológicos, com comunicação com a internet, gestão integrada online com outros equipamentos e programação da produção. Por isso, as futuras máquinas terão que chegar mais modernas e as atuais terão que se adaptar. Marcelo também considera que todas as partes da fábrica terão que passar por mudanças. “Toda a cadeia tem que se preparar, desde o chão da fábrica até o comercial, a equipe de vendas, os próprios nossos compradores, que vão mudar o jeito de comprar, com orçamento para obra, com itens, tudo já com orçamento em plataformas BIM e realidade aumentada, tudo nesse sentido”, afirma.

O diretor de marketing do Grupo Tavares finaliza fazendo um alerta sobre a importância de se mobilizar em direção à 4ª revolução. “Vão começando a entender, a ler sobre o assunto, porque a gente não pode cair de paraquedas nesse assunto da Indústria 4.0. Por mais que a nossa ainda não esteja nesse grau avançado de tecnologia, mas a gente precisa entender, e logo, logo, os nossos clientes vão querer esses sistemas, então a gente precisa ter essa informação”, conclui.

Carlos Cruz é jornalista na Anicer.

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