Por Manu Souza e Juliana Meneses | Imagens: Divulgação; Ilustração de disparidade salarial criada por pch.vector – www.freepik.com
O mercado da construção civil ainda é de predominância masculina, contudo, pouco a pouco pode-se perceber que a inserção de mulheres nesse ramo vem crescendo. Algumas medidas que contribuem diretamente para isso são projetos de lei e incentivos que tentam auxiliar que essas profissionais possam ter seu lugar assegurado, como por exemplo o Projeto de Lei 5358/20, que institui reserva de vagas para as mulheres ocuparem nos postos de trabalho operacional das empresas de construção civil. De acordo com o autor do projeto, o deputado Juninho do Pneu (DEM-RJ), esta seria uma forma de auxiliar a vencer a desigualdade de gênero e, mesmo que a intenção seja boa, o fato é que este tipo de solução só comprova que, mesmo em pleno século XXI, a sociedade ainda precisa evoluir muito para ser justa e igualitária.
As novas tecnologias são grandes aliadas para que as mulheres possam executar tarefas nessa área do mercado de trabalho, já que com o avanço de maquinários modernos, diversas funções que antes eram exclusivas de quem tinha mais força física, não são mais tão necessárias, sendo possível a contratação de profissionais que dominem a técnica, independente do sexo.
A Diretora Superintendente da Bonfanti – empresa centenária com duas unidades fabris e uma fundição de ferro e aço, com cerca de 300 colaboradores e com 7.000 equipamentos de cerâmica em funcionamento no Brasil, América do Sul e África -, Roseana Michielin Bonfanti Simioni, explica como é trabalhar em um setor dominado por homens. “Acredito no trabalho em equipe, compartilhado. É certo que temos poucas mulheres ainda em posições de alto comando, mas quando se tem preparo, foco e bons propósitos, conquistamos a cooperação de todos. Por mais dificuldades que possamos encontrar, tendo um claro e bom propósito seremos entendidas e alcançaremos nossos objetivos. Trabalho com dedicação, seriedade e honestidade, dá certo”.
Sobre os movimentos de empoderamento feminino, Roseana avalia a sua importância e é otimista, ao acreditar que a sociedade está mudando. “São movimentos importantes, que chamam a atenção para o potencial que as mulheres têm. Na medida em que vemos mulheres se destacando em áreas que antes eram completamente dominadas pelos homens, nós nos fortalecemos. Lembrando que já tivemos Maria Silvia Marques (economista) no comando do BNDES, Luiza Trajano no Magazine Luiza, Cristina Junqueira cofundadora do NuBank e Tania Cosentino presidente da Microsoft Brasil. São conquistas grandes, de profissionais de mercado, que demonstram o potencial das mulheres. Mas, se olharmos para o nosso setor, veremos quantas mulheres ceramistas começam a se destacar. Veja a crescente presença delas nos congressos e feiras promovidos pela própria Anicer”.
Um dado interessante de destacar é que na arquitetura, de acordo com o Conselho de Arquitetura e Urbanismo do Brasil, as mulheres já dominam o mercado, tendo um percentual de profissionais superior ao dos homens, entretanto, a pesquisa revela que apesar disso, as condições de trabalho destas profissionais são mais difíceis. Questões como assédio e discriminação de gênero ainda se fazem presentes, além da diferença salarial, quando comparado o salário pago para as mulheres em relação aos homens, elas ainda saem em desvantagem.
Para reverter esse cenário de desigualdade, algumas iniciativas independentes de profissionais do sexo feminino vêm se destacando. Essas mulheres se unem para conseguir se inserir no mercado da construção civil. São projetos que contam com profissionais que desempenham diversas funções do segmento, como arquitetas, engenheiras, eletricistas, pintoras, carpinteiras, bombeiras hidráulicas, etc. Funções que vão desde o contato inicial com os clientes contratantes até a execução dos serviços, que por muito tempo foram vistos como masculinos.
Projeto idealizado por Larissa Blessmann e Maira Peres, a Diosa – Mão de Obra Feminina, um marketplace de serviços feitos exclusivamente por mulheres, tem como lema o incentivo de mulheres no ramo da construção. “Acreditamos que a construção civil é uma área na qual as mulheres podem se destacar muito e ficamos muito felizes em possibilitar esta inserção no mercado de trabalho e abrir os olhos para quem ainda não é do ramo, para que pense nesta área como alternativa de fonte de renda. Não há nada que uma mulher não possa fazer, não há nenhuma limitação, nem mesmo física, como muitos pensam. As ferramentas e máquinas de trabalho estão aí para isso! Contratem mulheres para uma experiência de reforma diferenciada”.
A ideia surgiu após Maira Peres ter tido uma experiência ruim ao contratar um homem para realizar um conserto em sua casa. Ela pensou que se fosse uma mulher executando, a tarefa poderia ter sido feita de maneira diferente. “Somos um negócio de impacto que utiliza tecnologia para escalar a transformação social a que nos propomos. Atuamos através de um marketplace de mão de obra feminina na área de consertos e reformas residenciais, conectando clientes com mulheres que trabalham de forma autônoma na área da construção civil (elétrica, hidráulica, pintura, instalações, montagens, decoração, construções). De um lado, oferecemos aos clientes garantia de qualidade, segurança, atendimento rápido e eficiente em plataforma automatizada, pagamento facilitado e gerenciamento de qualidade da obra (resolução de conflitos). De outro lado, as profissionais da rede podem contar com capacitação técnica, desenvolvimento profissional, rede de apoio e empoderamento, educação social sobre gênero e mercado de trabalho, apoio legal, visibilidade e aumento de sua renda”.
A equipe da Diosa conta que a maior dificuldade do projeto foi iniciá-lo com baixo orçamento. “Nossa maior dificuldade inicialmente foi conseguir desenvolver tudo que precisávamos sem grana. A gente desenvolveu muita coisa e passamos por vários MVPs ? sem monetizar o que fazíamos, apenas conhecendo o mercado e entendendo quais eram os problemas que resolveríamos, tanto para clientes como para profissionais. Ganhamos um prêmio de 5 mil dólares no meio de 2018 e então pudemos desenvolver a primeira versão da nossa plataforma online e, a partir deste momento, pudemos monetizar nosso trabalho. A cada nova etapa, surgem novos desafios. No momento, estamos trabalhando para aumentar a nossa rede de profissionais, pois estamos com uma demanda muito boa e super alta”.
Inicialmente, o projeto causava certo estranhamento em alguns clientes, entretanto, vem sendo cada vez mais comum a procura de profissionais femininas para desempenhar pequenos consertos e serviços ligados à construção civil, sobretudo por mulheres que moram sozinhas e se sentem mais confortáveis ao receber outra mulher para essas demandas. “Hoje, as pessoas já estão um pouquinho mais acostumadas com isso, logo no início da Diosa, a maior parte das pessoas se espantavam com a novidade, “uma mulher fazendo construção?”. São numerosas as histórias de pessoas nos questionando sobre a real existência de profissionais na área e se elas realmente sabiam fazer os serviços a qual se propunham. “Ela tem curso de elétrica? Ela vai fazer direito mesmo? Ela vai conseguir carregar isso? Ela é auxiliar do marido?”. Muitas vezes, nos sugeriram que colocássemos homens na plataforma, ignorando (ou não compreendendo) completamente o motivo da nossa existência. Sempre tivemos calma para lidar com estas situações e explicar para as pessoas que, sim, fazemos tudo isso e com muita qualidade, dedicação e atenção aos detalhes. Os clientes da Diosa são pessoas que estão alinhadas com nossa causa e esse é mais um dos motivos pelos quais as profissionais gostam de atender. Através da nossa plataforma, dificilmente elas irão se deparar com esse tipo de situação. Um dos motivos pelo qual existimos, é gerar segurança (física, legal, financeira, moral) para clientes e profissionais. 90% de nossos clientes são mulheres e o motivo da contratação pela Diosa é segurança em praticamente todos os feedbacks que temos”.
Pandemia x Mercado de trabalho
De acordo com dados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), a pandemia do coronavírus foi responsável por diminuir a participação das mulheres no mercado de trabalho formal. Entre março e novembro de 2020, foram extintos 220 mil postos de trabalho ocupados por mulheres, enquanto foram criadas 107,5 mil vagas para homens.
Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e do Censo Educacional, apontam que as mulheres são maioria da população no Brasil, vivem mais tempo e estudam mais, além disso, ocupam 44% das vagas de empregos registrados no país. No entanto, apesar de representarem 55% das universitárias e 53% do total de alunos de pós-graduação, ganham 20% menos que os homens em funções iguais e ocupam somente 13% dos cargos de alta liderança.
A Engenheira Civil, Maria Angelica Covelo Silva, destaca a sua opinião sobre movimentos de empoderamento feminino e questões de igualdade salarial entre gêneros. “Não vivi a dificuldade de ter diferenças de reconhecimento ou remuneração por ser mulher na minha trajetória. Mas conheço a situação e sei que existem ocorrências assim, mesmo na construção civil. Não considero admissível que profissionais com as mesmas atribuições, responsabilidades, capacidade, tenham remuneração diferente por qualquer motivo. E neste sentido as ações são legais, são de organização para não se permitir que aconteçam estas situações. Não gosto do termo “empoderamento”, pois acredito que em seu significado podem estar embutidos aspectos que levam a uma visão polarizada. Prefiro sempre enxergar que o caminho é o de que tenhamos cada vez mais valores e conduta no ambiente profissional que não gerem qualquer tipo de desigualdade, seja por qualquer motivo. E construir isso é um trabalho conjunto dentro das organizações, que envolve uma liderança com visão, valores e preparo para criar ambientes profissionais sem desigualdade”.
A engenheira também nos conta que sempre se posicionou em meio a maioria masculina que compõe o setor da construção civil. “Nunca tive uma visão de ser diferente por estar em ambientes em que havia sempre maioria de homens. Sempre busquei ter conhecimento e conduta profissional que, independentemente de gênero, fossem aquilo que eu entendia, com meus valores, o necessário para a responsabilidade que está envolvida no campo da engenharia. Posso dizer que, desde o meu tempo de estagiária, tinha muito respeito no canteiro de obras, nos trabalhos que desenvolvi por toda a vida profissional também. Não quer dizer que não tenha vivido algumas dificuldades, mas no balanço global de 40 anos desde que pisei num canteiro de obras como estagiária pela primeira vez, creio que foi uma trajetória em que consegui que estas dificuldades não fossem predominantes na minha atuação. Sempre encontrei homens que me incentivaram muito profissionalmente e que colaboraram muito para o meu desenvolvimento como engenheira”.
Origem do 8 de março – Dia Interacional da Mulher
Apesar de oficializada apenas em 1975, pela Organização das Nações Unidas (ONU), sua origem remonta do início do século 20, quando diversos protestos de mulheres repercutiram pelos Estados Unidos e Europa reivindicando melhores condições de trabalho e igualdade de direitos.
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