Por Carlos Cruz | Fotos da guerra: Carlos Barria/Reuters, Finbarr O’Reilly
Não são poucos os setores industriais no Brasil e no mundo que cada vez mais sofrem o impacto econômico resultante da guerra entre a Rússia e a Ucrânia. Os dois países em conflito são exportadores de diversas commodities importantes para a economia global. Com a diminuição da oferta dessas matérias-primas no mercado internacional, a pressão sobre a inflação aumenta e os custos com insumos em diferentes indústrias também tendem a aumentar.
Dados da Secretaria de Comércio Exterior do Ministério da Economia mostram que, em 2021, a Rússia era o 6º mercado no ranking dos que o Brasil mais realizou importações, num total de US$ 5,7 bilhões. No âmbito das exportações, o país ficou em 36º lugar nas exportações brasileiras. Já a Ucrânia ocupou o 63º lugar nas importações e o 75º nas exportações. Apesar de não serem os principais parceiros comerciais do Brasil, ambos têm uma participação significativa nas transações comerciais do país.
De acordo com o gerente de Análises Econômicas da Confederação Nacional da Indústria (CNI), Marcelo Azevedo, em alguns produtos a participação é ainda mais relevante, como é o caso dos fertilizantes. Em 2021, cerca de 23% desses insumos importados pelo Brasil eram russos. Os dados são do Comex Stat, estatísticas de comércio exterior realizadas pelo Ministério da Economia. “Aí você já tem um efeito direto importante, no caso da indústria, naquela cadeia ligada a alimentos, se não imediato, hoje no mínimo, algumas incertezas com relação ao futuro por conta da importância dos fertilizantes para as safras futuras”, explicou Azevedo.
Rússia e Ucrânia também são importantes consumidores de determinados produtos brasileiros. No ano passado, os dois países foram responsáveis por 13% das exportações do nosso café solúvel. Segundo a Associação Brasileira da Indústria de Café Solúvel (Abics), as exportações nacionais do produto diminuíram 4,7% nos primeiros 4 meses de 2022, o que pode revelar possíveis consequências da guerra.
Efeitos indiretos
Outra grande parte das indústrias nacionais não foram afetadas diretamente, mas nem por isso deixaram de sentir efeitos indiretos generalizados. Para Azevedo, um exemplo disso é a maneira como a alta do trigo impactou diversos segmentos da indústria de alimentos.
“Indiretamente, tem a questão da incerteza, impacto nos fretes novamente por conta das sanções que estão sendo feitas e aí você tem novamente problemas da logística de cadeia”, analisou o economista. “Você tem efeitos indiretos da guerra, que afetaram a questão de cadeias de insumos novamente, adiaram o que poderia ser uma solução. A gente achava que estaria numa situação melhor, talvez só no próximo ano ou no final deste ano comece a melhorar. Tem esse efeito indireto muito importante e já bastante generalizado”, acrescentou.
Expectativas frustradas
O grande problema é que a guerra acontece justamente em um momento em que as indústrias estavam com expectativas de melhores desempenhos em relação aos últimos dois anos marcados pela pandemia e pelo aumento dos preços.
Azevedo observa que, no final do ano passado, os preços de insumos, fretes e estoques estavam mostrando estabilidade, então os fornecedores e empresários alimentaram as expectativas de que teriam um início de ano tranquilo. “Mas, rapidamente, seja por conta da própria guerra, também pela paralisação das atividades na China por conta da Covid, ou mesmo da terceira onda que teve seu impacto na produção em algum momento, isso tudo foi se acumulando e adiando o que a gente imaginava que seria o início de uma normalização da questão dos insumos”, afirmou.
Na construção civil
As consequências da guerra afetam principalmente as indústrias de produção, como é o caso da construção civil. A Câmara Brasileira da Indústria da Construção (CBIC) promoveu, no dia 17 de março, uma live para debater como o conflito afeta o setor e a economia brasileira como um todo. Na ocasião, a economista da CBIC, Ieda Vasconcelos, analisou que o aumento da inflação pode pressionar as taxas de juros, o que impacta diretamente o setor. “Os segmentos produtivos, como a construção civil, sempre ficam prejudicados com taxas de juros elevadas, pois os investimentos migram para o mercado financeiro. Além disso, menor ritmo de atividade econômica significa menos emprego, menos renda e mais dificuldade para as famílias adquirirem a casa própria”, afirmou.
O aumento no preço das commodities, principalmente as ligadas ao setor, como o minério de ferro, o alumínio e o cobre, tem tirado o sono dos empresários. De acordo com a economista, a alta pode elevar a pressão sobre o preço dos insumos, que acumula repasses não feitos aos imóveis desde 2020. Uma análise feita pela economista mostrou que em seis capitais do Brasil, entre julho de 2020 e dezembro de 2021, período em que os insumos mais subiram, em nenhuma dessas cidades o preço do imóvel aumentou simultaneamente ao Índice Nacional de Custo de Construção (INCC). O índice subiu quase 22%, enquanto que a média de aumento dos imóveis foi de 10%. “Isso significa que o setor ainda não repassou nem o aumento que ele já vivenciou até agora de custos de insumos e ainda pode e já está começando a sofrer pressão por esse cenário de instabilidade”, avaliou Ieda.
O gerente de Análises da CNI concorda e classifica o aumento no preço dos insumos como uma trava para o desenvolvimento. “O setor teve um bom desempenho ano passado, mas sempre enfrentou esse problema da questão dos insumos e o conflito pressiona ainda mais os preços dos insumos do setor da construção civil”, destacou.
O aumento no preço dos combustíveis também afeta a construção civil, não só pelos equipamentos e maquinários utilizados, mas principalmente porque influencia no preço do frete. Ieda pontua que isso também pode provocar o aumento dos custos com insumos. “Quanto mais tempo durar o conflito, maiores os impactos, não só para a economia brasileira, mas para a economia global”, concluiu.
Mas o principal afetado pela guerra deve ser o plástico. Muito usado na construção civil, esse tipo de material está presente em pisos, telhas, janelas, sistemas de hidráulica, caixas d’água e outros tantos. As resinas de petróleo, utilizadas na composição do plástico, vem registrando consideráveis aumentos desde o início do conflito armado, o que já está se refletindo no preço dos produtos.
Deixe um comentário