Hoje é:21 de novembro de 2024

Projeto de arquitetura reforma abrigos para crianças e adolescentes

A ONG Arquitetando o Mundo viaja o Brasil levando arquitetura, educação e psicologia para auxiliar crianças em situação de vulnerabilidade

Por Juliana Meneses – Imagens: Divulgação

Criado pelo arquiteto, cenógrafo, diretor de criação e marceneiro, Valter Strunk, em parceria com a psicóloga Ariadne Pereira, o projeto social Arquitetando o Mundo trabalha unindo conceitos de Arquitetura Nômade, Educação e Psicologia, de forma itinerante, prestando serviços de reforma em abrigos para crianças e adolescentes, com o objetivo de promover um impacto social por meio da democratização da arquitetura e da ideia do “faça você mesmo”. A organização não governamental permite que haja uma mudança no ambiente e isso proporciona um processo de autoconhecimento, autonomia, além de transformações sociais.

A iniciativa criou um processo no qual as crianças e jovens elaboram um projeto de reforma e colocam a mão na massa para executá-lo. Assim, os participantes aprendem noções básicas de arquitetura, ampliam repertórios, adquirem conhecimentos técnicos e ainda têm a chance de ressignificar e criar novos laços com a instituição de acolhimento.

Ariadne Pereira, conta que a ideia surgiu no primeiro dia em que ela e Valter se conheceram. “Tudo começou no dia em que nos conhecemos, quando já podíamos vislumbrar a possibilidade de utilizar nossas experiências profissionais em uma causa maior. Na época, eu trabalhava como psicóloga em um Serviço de Proteção às Crianças e Adolescentes, vinculado à Prefeitura de São Paulo, enquanto o Valter atuava como diretor de criação em uma empresa de cenografia. No encontro, ele me perguntou onde as crianças que eu atendia moravam e eu respondi que algumas delas viviam em instituições de acolhimento. Curioso, questionou como eram esses espaços, se elas se sentiam em casa, se sentiam pertencentes a esses espaços a ponto de chamá-los de lar. Comentei que essas instituições garantiam o básico, mas seus espaços eram quase sempre muito pouco acolhedores. A partir daí desenvolvemos uma metodologia na qual os jovens tornam-se protagonistas desses espaços e desde 2017 já trabalhamos em 5 instituições diferentes”.

De acordo com o Sistema Nacional de Adoção e Acolhimento, atualmente existem mais de 30 mil crianças e adolescentes vivendo em abrigos no Brasil, apenas 5 mil destas crianças estão aptas para adoção e com a pandemia, houve uma queda no número de processos de adoção de 40% se comparado a 2019, o que as deixa numa situação ainda mais delicada. O país conta com mais de 4.800 instituições de acolhimento que abrigam essas crianças, e o Arquitetando o Mundo visa auxiliá-las em deixar esses espaços de convívio mais aconchegantes para seus moradores, que precisam tanto de afeto e cuidado.

Atualmente, o projeto está construindo um motorhome artesanal que será utilizado como casa e oficina itinerante. Em Julho, a iniciativa dará início a uma viagem com propósito de dar visibilidade às crianças que vivem em abrigos no país, com o objetivo de reformar 12 abrigos, em 12 estados diferentes, contribuindo para o desenvolvimento de crianças e adolescentes em vulnerabilidade. A ideia da casa sobre rodas será um facilitador para que a ONG possa percorrer o Brasil, o furgão possuirá painéis solares, caixa d’água, energia elétrica, banheiro e cozinha, tudo isso em apenas 8m².

A ideia das reformas utiliza quatro pilares para estruturar o projeto de cada abrigo: o espaço como fator de desenvolvimento, brincar de arquitetura, o direito à cidade não é exclusivo de “gente grande” e modelo de educação e diálogo com a escola.

Para dar início ao processo de desenvolvimento é realizado um verdadeiro laboratório de criação, durante 5 dias são realizadas atividades com as crianças para estimular a criatividade e oferecer ferramentas de apropriação do espaço por meio da arquitetura. São levantadas questões como o lar, a moradia, a habitação e a comunidade e sua importância. Em seguida, são ensinadas noções básicas de arquitetura como medida, escala e proporção, além da construção de maquetes e elaboração de desenhos de planta baixa. Por meio deste processo é possível que os membros do projeto criem laços com as crianças e jovens e que juntos possam pensar no que é ideal para eles e de que modo será construído o projeto de arquitetura a ser desenvolvido.

Durante a etapa de realização do projeto, as crianças e jovens são incluídas na reforma e colocam a mão na massa, com especialistas como arquitetos, designers, marceneiros, artistas e pessoas da comunidade local. Neste processo, os participantes têm a chance de desenvolver habilidades técnicas e socioemocionais (autoestima, autonomia, empatia, responsabilidade).

A ONG procura desenvolver um trabalho de transformação social por meio dos espaços arquitetônicos, Ariadne explica que o projeto enfrenta algumas dificuldades para colocar tudo em prática. “As maiores dificuldades são a burocracia dos serviços públicos e a captação de recursos para destinar ao nosso trabalho e às reformas que realizamos. Nosso objetivo é proporcionar um trabalho de qualidade não assistencialista, que promova conhecimento e transformação social a longo prazo”.

A psicóloga afirma que os materiais de cerâmica vermelha são utilizados no projeto de forma ressignificada. “Utilizamos esses materiais como adereços internos, propondo novas utilizações e funcionalidades para eles. Como nossa proposta não é executar obra civil, desenhamos e construímos mobiliários dando outros significados a esses materiais”.

Ariadne acredita que o impacto social de seu trabalho está em proporcionar dignidade, bem-estar e auxiliar a desenvolver o potencial destas crianças. “Acreditamos verdadeiramente em nosso trabalho e hoje nos dedicamos 100% ao Arquitetando o Mundo. Trabalhar a questão da arquitetura com crianças e jovens abrigados é permitir que eles se apropriem desses espaços e tornem-se sujeitos desejantes, prontos para descobrir suas potências e arquitetar um futuro próspero. Um exemplo que enche nossos corações é de um participante que na época fazia supletivo, tinha dificuldade de aprendizado e um subemprego do qual não gostava. Ao longo dos nossos encontros ele foi reconhecendo seu gosto pela cozinha e decidiu projetar um armário para esse espaço do abrigo. O armário foi entregue, ele nos ofereceu um almoço e um ano depois encontramos ele estagiando em um dos maiores restaurantes do país (Capim Santo)”.

Além do trabalho de reforma nos abrigos, o Arquitetando o Mundo também realiza cursos, eventos e palestras. “Em 2020, fomos convidados pelo Espaço Público do Aprender Social – ESPASO, vinculado à Secretaria Municipal de Assistência e Desenvolvimento Social (SMADS), para ministrar 2 oficinas no curso Desenvolvimento da Criança de 0 a 6 anos, destinado a servidores e trabalhadores da Assistência Social. Nesse mesmo ano, fizemos uma live com o tema Ambiente: Instrumento de Acolhimento e Desenvolvimento Infantil para a III Semana Municipal da Infância, realizada pela Prefeitura de São Paulo, com apoio da UNICEF”.

O projeto aceita doações de materiais de construção que podem ser previamente combinados por meio dos contatos:

Juliana Meneses é jornalista na Anicer.

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